Despesas administrativas das organizações sociais não é lucro!
DESPESAS ADMINISTRATIVAS DAS ORGANIZAÇÕES SOCIAIS NÃO É LUCRO!
O TRATAMENTO DISPENSADO PELO TCESP EM COMPARAÇÃO COM AS OBRAS PÚBLICAS
João Batista Tavares
Advogado, Procurador Jurídico de Fundações, Bacharel em Ciências Econômicas, Técnico Superior em Administração Universitária, Pós-graduando no programa lato sensu de especialização em Direito Administrativo pela PUCSP/COGEAE – jbtavares.adv@uol.com.br
RESUMO
O Terceiro Setor ao longo dos últimos anos convive com muitas dificuldades, incompreensões sobre o seu real papel na sociedade e o preconceito dos órgãos de controle. No estado de São Paulo, infelizmente, a situação não é diferente. Hodiernamente, atravessa-se momento de grande contradição. As entidades tornaram-se imprescindíveis para que o Poder Público cumpra com suas políticas educacionais, culturais e, principalmente, aquelas voltadas para a saúde pública. Por outro lado, pouco tem sido feito para a sustentabilidade das entidades parceiras do Governo do Estado e dos Municípios paulistas. Em recente seminário feito pelo Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (TCESP), ficaram evidenciadas as grandes dificuldades que o Terceiro Setor enfrenta perante aquela Corte de Contas, cabendo ao Governador do Estado de São Paulo assumir o protagonismo constitucional para, na qualidade de Chefe do Poder Executivo, o mais rápido possível, regulamentar essas parcerias a fim de que elas se tornem sustentáveis. Com efeito, o cenário atual reclama firme atuação, posto que o que se assiste é o Estado valendo-se de seu poder de supremacia em face das entidades privadas impedindo-as do ressarcimento de despesas, comprometendo a sobrevivência de algumas e incorrendo no enriquecimento sem causa. O objetivo neste documento consistirá em evidenciar o tratamento desigual que a Administração Pública Estadual e o Tribunal de Contas do Estado estabelecem entre a Obra de Engenharia executada pelos Empreiteiros do Segundo Setor e a Obra Social, que é implementada pelas entidades parceiras do Terceiro Setor.
I – O CENÁRIO ATUAL – O TRATAMENTO DISPENSADO ÀS ENTIDADES QUE IMPLEMENTAM A OBRA SOCIAL E POLÍTICAS PÚBLICAS NO ESTADO DE SÃO PAULO
Em trabalho de nossa lavra, publicado pela Editora Grifon Brasil[1], de 14/06/2016, evidenciamos a questão do reembolso das despesas das entidades parceiras do Poder Público paulista que, não por culpa do Tribunal de Contas, mas, sim, por omissão do Poder Executivo Estadual, pouco tem feito na regulamentação dessa matéria no âmbito do nosso estado, em que pese o TCESP dispor de toda infraestrutura legal para regulamentar a matéria, como se verá no presente estudo.
No âmbito do Governo Federal, a matéria encontra-se regulamentada pelo Decreto nº 6.170/07 e pela Portaria Interministerial nº 507/11, que estabelecem a possibilidade legal das organizações da sociedade civil que celebram parcerias por meio de convênios, contratos de gestão e congêneres de reembolsarem as despesas administrativas que incorram até o limite de quinze por cento do valor do objeto.
Além da União Federal, em pesquisa foram localizados regulamentos nos estados do Rio de Janeiro – Decreto nº 44.879/14; Pernambuco - Decreto nº 39.376/13 e Paraíba – Decreto nº 33.884/13; Mato Grosso – IN SEPLAN/SEFAZ/CGE nº 001/15 e Mato Grosso do Sul – Decreto nº 11.261/03, que aceitam o reembolso nos moldes previstos nos atos normativos federais.
No estado de São Paulo, encontra-se em vigor o Decreto n° 59.215, de 21/5/2013, que disciplina a celebração de convênios no âmbito da Administração Centralizada e Autárquica e que, infelizmente, apresenta-se completamente omisso em relação à possibilidade de ressarcimento.
A recente edição do Decreto Estadual nº 61.981, de 20/5/2016, que recepcionou a Lei federal n° 13.019, de 31/7/2014, não obstante no art. 10 contemplar referência ao art. 46 da norma federal, que assegura a possibilidade de serem incluídos custos indiretos necessários à execução do objeto, também não resolve o problema das entidades, posto que, sem a definição de limites mínimos e máximos, certamente continuará a haver a submissão das entidades parceiras ao arbítrio do Tribunal de Contas do Estado.
A crítica situação das entidades que firmam parcerias com o Governo do Estado ou com os Municípios paulistas ficou publicamente demonstrada no seminário realizado pelo TCESP, no dia 23/6/2016, com o título “Terceiro Setor: Mudanças e Perspectivas”.
Em seu discurso inicial, o Presidente daquela Corte destacou que: “O Terceiro Setor é um grande parceiro das instituições públicas. É ágil e importantíssimo. Nós não temos preconceito. Justamente por isso, organizamos este evento, uma iniciativa pedagógica para orientar os gestores públicos e as organizações da sociedade civil.” Em que pese os destaques de Ramalho[2], lamenta-se inicialmente que, nos painéis apresentados, infelizmente não se tenha contado com a presença de nenhum representante das entidades do Terceiro Setor.
Em verdade, o Tribunal de Contas do Estado de São Paulo apresenta, sim, enorme resistência às organizações sociais, como se pode conferir pelas palavras do Secretário Diretor-Geral, proferidas no encerramento do referido Seminário:
“[...] Nós estamos nos debatendo muito, quase apanhei né? Lá onde estivemos recentemente, porque o Tribunal tem uma jurisprudência firme aqui por não admitir a taxa de administração. Vejam que também estava na lei que foi mais não foi, na volta foi vetado o dispositivo. E porque que nós somos contra a taxa de administração? Porque não tem nenhum sentido. Nós estamos falando de organizações sociais, de OSCIPS e de Os.Ss., nós vamos dar o dinheiro, esse dinheiro é exatamente para todas as finalidades do projeto, inclusive dos seus custos.
Quando eu falo de custos, porque vamos lembrar que são entidades não lucrativas, então nós estamos falando de custo do que: salários, contratação de prestação de serviços. Agora, esse dinheiro é dado num pacote, o plano de trabalho veio e o orçamento que foi feito foi esse, eu entrego o dinheiro, ah não! não! Mas espera um pouquinho sobre esse dinheiro, quinze por cento é taxa de administração. Administrar o dinheiro que eu vou gastar? Que está na minha conta? Que eu sou o responsável? Estou dizendo: eu o responsável pelo 3º setor. É absolutamente descabido! E sustentam isso, e o pior de tudo, onde reverte esse 15%? Qual é a reversão? Deram um jeito na lei, e os custos que tinham uma limitação de 15% ficaram agora liberados, os custos indiretos em relação ao que era repassado. O que não me parece uma boa prática! Não é o melhor caminho! Eu acho que tem que ser demonstrado e tem que ter compatibilidade, razoabilidade, por isso também o Tribunal está insistindo muito que as entidades tenham um Portal de Transparência, tal e qual o nosso aqui, onde tudo que acontece aqui está devidamente identificado.
A propósito, há um bom caminho, também soube que houve uma consideração sobre salários e remuneração do pessoal do 3º Setor. Não há uma norma cogente nas leis que regem, mas já há um decreto do Governador em relação a ultima lei editada, que estabelece os custos da folha de pagamento das equipes que vão trabalhar, proporcionais ao tempo que gastam com o projeto, porque não vamos esquecer, pode a entidade estar desenvolvendo ao mesmo tempo cinco projetos e os cinco são com dinheiro público. Então a proporcionalidade do tempo dispendido para isso, e que não pode superar o subsídio do Governador. Esta é a primeira luz que se acende, é um decreto, mas é o decreto que está pondo uma norma de coerção para os negócios do próprio Estado, portanto, o que se quer é que não se encerrem as atividades do 3º Setor não, ao contrário, a gente tem visto resultados altamente positivos, temos visto algumas situações desastrosas e aí está a presença do Tribunal que é marcante, permanente, no sentido de construir um sistema que permita o atendimento das exigências do interesse público e do resultado que a população espera e merece. É isto o que eu tinha a dizer aos senhores, muito obrigado! Sérgio Ciquera Rossi[3]. (TERCEIRO..., 2016, grifos nossos).
É exatamente esse o tratamento que as organizações da sociedade civil, entidades privadas que cuidam de grande parte das ações de saúde pública do estado de São Paulo, recebem do TCESP. Em verdade, o que o interesse público reclama e a sociedade espera, é a perenidade das organizações da sociedade civil, justamente porque o modelo atual tornou-se irreversível. É premente, Senhor Governador do Estado, que se adotem urgentes providências com vista a alterar esse inaceitável cenário, pois, caso contrário, assistir-se-á à decretação da insolvência de muitas parceiras.
Importa destacar que, entre as competências dos Tribunais de Contas elencadas no Art. 71 da CF/88, não se identifica a prerrogativa de um dirigente técnico-administrativo substituir o Poder Executivo e definir o nível do ressarcimento de despesas para as entidades parceiras da Administração Pública Estadual e dos Municípios paulistas.
Ao visitar o portal eletrônico do TCU[4], encontra-se a sua natureza jurídica: “O Tribunal de Contas da União (TCU) é um tribunal administrativo”. Consoante o disposto no art. 75 da CF/88, as normas estabelecidas na seção da fiscalização contábil, financeira e orçamentária aplicam-se, no que couber, à organização, composição e fiscalização dos Tribunais de Contas dos Estados.
Com efeito, como será demonstrado no tópico que abordará o tratamento dispensado às obras de engenharia, veremos, no item 143 do Acórdão TCU nº 2.622/13, adotado como paradigma pelo TCESP, que não cumpre à Corte de Contas federal estipular percentuais fixos para cada item que compõe a taxa de BDI, ignorando as peculiaridades da estrutura gerencial de cada empresa que contrata com a Administração Pública.
Ademais, durante o referido seminário, perguntou-se ao Auditor do TCESP que coordenava a mesa de debates o porquê de o Tribunal de Contas não considerar regular, nos contratos das parcerias com o Terceiro Setor, a previsão de ressarcimento das despesas administrativas, conforme autoriza o regulamento federal de convênios, levando-se em consideração o art. 116[5] da Lei Complementar nº 709/93. Para nossa surpresa, a resposta foi negativa pelo fato de o coordenador do painel entender que a Lei Orgânica se trata de Lei Processual.
Pois bem, sem polemizar se a Lei Complementar do Estado de São Paulo nº 709/93 é ou não lei processual, posto que, nos termos do art. 22, I, da Constituição Federal, compete privativamente à União legislar sobre direito processual, s.m.j., acreditamos que o referido diploma legal encontra-se no campo das competências concorrentes, que permite aos Estados-membros legislarem sobre procedimentos em matéria processual, portanto, existindo grande diferença em relação à lei processual em sentido estrito.
Assim, consultando a Lei Orgânica, especificamente no art. 2º, incisos X e XVII, encontramos as seguintes competências do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo:
X - fiscalizar a aplicação de quaisquer recursos repassados pelo Estado, mediante convênio, acordo, ajuste ou instrumento congênere; e
XVII - julgar convênios, aplicação de auxílios, subvenções ou contribuições concedidos pelo Estado e pelos Municípios a entidades particulares de caráter assistencial ou que exerçam atividades de relevante interesse público. (grifos nossos).
Quanto à utilização de normativos federais pelo TCESP, após consulta de jurisprudência, verifica-se que é prática recorrente, principalmente na área de orçamento público em que são muito utilizadas as instruções normativas do Tesouro Nacional e, também, em relação aos convênios, como se pode ver pelo julgado a seguir:
Processo: TC-000652/008/13
37ª Sessão Ordinária do Tribunal Pleno, dia 2/12/2015
Relator: Conselheiro Antonio Roque Citadini
Voto: [...]
Observo que o pagamento de taxa de administração em convênio é vedado pela Constituição Federal, art. 37, caput e inc. XXI, também pelo art. 8º, inc. I da Instrução Normativa STN nº 1 de 15-01-97, e ainda pelo art. 54 e seguintes da LF 8.666/93 (grifos nossos).
Em face desse quadro, urge consignar que a Instrução Normativa STN nº 1, de 15/1/1997 foi derrogada e substituída pela Portaria Interministerial MP/MF/CGU Nº 127, de 29 de maio de 2008, que nos termos do art. 39, I, manteve a vedação de pagar taxa de administração. Contudo, no parágrafo único, foi inserida autorização para o lançamento de despesas até o limite de apenas cinco por cento do valor do objeto dos convênios ou contratos de repasse.
Posteriormente, a Portaria 127/08 foi substituída pela Portaria Interministerial MP/MF/CGU Nº 507, de 24/11/2011, que também proíbe o pagamento de taxa de administração, mas mantém a permissão para que entidades privadas sem finalidade lucrativa possam reembolsar as despesas alterando o limite para até 15% (quinze por cento), desde que expressamente autorizadas e demonstradas no respectivo instrumento e no plano de trabalho.
Assim sendo, podemos concluir que se a Instrução Normativa STN nº 01/97 é ainda utilizada nos julgamentos do TCESP para coibir corretamente o pagamento da taxa de administração, uma vez derrogada, nada mais pertinente adotar, doravante, o ato normativo subsequente e que remanesce válido, representado pela Portaria Interministerial nº 507/11, que, como vimos, permite o ressarcimento de despesas administrativas até o limite de 15% do valor do projeto.
Denegar a possibilidade de ressarcimento em nível financeiramente aceitável, alegando o fato de as organizações sociais serem entidades sem fins lucrativos, representa grande desconhecimento da realidade enfrentada na gestão dos projetos de interesse público. A existência de inúmeras ações trabalhistas e, ainda, os atrasos nas liberações de parcelas pelo órgão ou entidade comprometem o fluxo de caixa, descapitalizando sensivelmente o patrimônio social, comprometendo a própria saúde financeira da entidade parceira.
De fato, o objetivo das entidades do Terceiro Setor não é a perseguição do lucro a exemplo das empreiteiras, mas uma entidade sem um patrimônio com certa robustez terá muitas dificuldades em permanecer em funcionamento e prestar essa importante atividade junto à sociedade paulista, sem apresentar risco de continuidade dos projetos.
Diferentemente do tratamento dispensado aos contratos das obras públicas, nas quais são incluídos percentuais que variam de 25% a 35% referentes a Benefício e Despesas Indiretas (BDI) ou, ainda, à remuneração por tarifa das concessionárias de serviços públicos, como é o caso dos pedágios e dos transportes públicos, nos convênios e contratos de gestão das áreas sociais o TCESP vem aplicando, ao longo dos anos, o tratamento declarado pelo Secretário Diretor-Geral, comportamento que, infelizmente, revela grande desrespeito para com as entidades.
Não obstante, também atribuímos como causa desse quadro a ausência de ato normativo do Poder Executivo Estadual que, em verdade, é órgão legitimado constitucionalmente para regular as parcerias a serem celebradas com as entidades do Terceiro Setor.
Importante consignar que, em nossa opinião, deixar ao livre-arbítrio do órgão de controle a definição do ressarcimento das despesas das entidades significa comprometer a sobrevivência das mesmas, além de permanecer a reprovável prática de dispensar tratamento diferenciado entre organizações sociais, como o julgamento regular na formação de Fundo Financeiro[6], somente para algumas, em desprestígio às de pequeno porte ou àquelas localizadas no interior do estado, para as quais o TCESP inadmite qualquer tipo de proteção.
II – O TRATAMENTO DISPENSADO ÀS OBRAS DE ENGENHARIA CONTRATADAS PELO PODER PÚBLICO
No caso das obras públicas, encontramos, no encarte disponibilizado pela Escola Paulista de Contas Públicas do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (EPCP - TCESP) intitulado “Fiscalização de Obras Públicas – Material de Apoio – 2015”, a informação de que o TCESP fixou o entendimento de que BDI é o elemento que faz parte do orçamento, destinado a cobrir as despesas indiretas e, também, o lucro do empreiteiro.
Consta, ainda, no encarte, a afirmação de que o Acórdão 2.622/13 – Plenário – TC 36.076/2011-2 do TCU é referência na matéria concernente ao BDI. Do referido decisum retiramos a importante afirmação:
A formação de preço de obras públicas deve permitir um equilíbrio entre os interesses da Administração e das empresas contratadas, de modo que o preço contratado esteja compatível com os valores de mercado e que represente uma justa retribuição pela contraprestação dos serviços a executar pela contratada (grifos nossos).
No item 138 da Conclusão do Acórdão TCU 2.622/13, define-se que os componentes que devem formar a taxa de BDI são os seguintes:
a) Administração central;
b) Riscos;
c) Seguros;
d) Garantias;
e) Despesas financeiras;
f) Remuneração do particular; e
g) Tributos incidentes sobre a receita auferida
Como se pode ver no rol acima, a maioria das despesas que incidem sobre as empreiteiras, releva enfatizar, também incidem sobre as entidades do Terceiro Setor que firmam parcerias com a Administração Pública do Estado de São Paulo.
Ainda, do mesmo acórdão 2.622/13 do TCU – Processo nº 036.076/2011-2, destacamos algumas importantes conclusões a que a Corte de Contas da União chegou. Vejamos:
143. Importante destacar, contudo, que não cumpre ao TCU estipular percentuais fixos para cada item que compõe a taxa de BDI, ignorando as peculiaridades da estrutura gerencial de cada empresa que contrata com a Administração Pública. O papel da Corte de Contas é impedir que sejam pagos valores abusivos ou injustificadamente elevados e por isso é importante obter valores de referência, mas pela própria logística das empresas é natural que ocorram certas flutuações de valores nas previsões das despesas indiretas e da margem de lucro a ser obtida.
144. Como essa análise dos itens que compõem o BDI deve ser feita em conjunto, a adoção de um percentual muito acima da faixa de referência para determinado componente não necessariamente constitui irregularidade, pois, em contrapartida, outras despesas indiretas, ou ainda, o lucro, podem estar cotados em patamares inferiores ao esperado.
146. Cumpre destacar que a literatura especializada e a jurisprudência desta Corte de Contas apontam vários fatores que tendem a influenciar as taxas de BDI, tais como: o porte da empresa, sua natureza específica, sua localização geográfica, seu prazo de execução, a facilidade de encontrar fornecedores no local da obra, os riscos envolvidos nas contratações, a situação econômica e financeira da empresa e do país, dentre diversos outros fatores.
149. A adequabilidade da taxa de BDI tem sempre que ser analisada, pontualmente, em situação específica, pois há sempre a possibilidade de as tabelas referenciais não traduzirem a justa remuneração para alguns contratos de obras públicas.
Destarte, é facilmente percebível que, no acórdão TCU 2.622/13, utilizado como paradigma pelo TCESP para a formação do BDI das obras públicas do estado de São Paulo, há certa dose de benevolência e grande preocupação com a justa remuneração do empreiteiro.
Também releva consignar que essa atitude do TCESP caminha exatamente no que dispõe a Súmula nº 222 do Tribunal de Contas da União (TCU), que estabelece:
SÚMULA Nº 222
As Decisões do Tribunal de Contas da União, relativas à aplicação de normas gerais de licitação, sobre as quais cabe privativamente à União legislar, devem ser acatadas pelos administradores dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.
Fundamento legal: - Constituição Federal, arts. 22, inc. XXVII, 37, ”caput” e inc. XXI, 71, inc. II e 73; - Lei nº 8.443, de 16-07-1992, art. 4º; - Lei nº 8.666, de 21-06-1993, art. 1º, Parágrafo Único.
Por outro lado, em pesquisa realizada junto ao site de negócios públicos do Governo do Estado de São Paulo[7], encontramos as seguintes taxas de BDI (Tabela 1):
Tabela 1 – Taxas de BDI
Órgão Público contratante |
B.D.I. |
FDE |
29,71% |
POLÍCIA MILITAR |
25,00% |
PRODESP |
35,00% |
SECRETARIA DA SAÚDE |
30,00% |
CENTRO PAULA SOUZA |
24,98% |
FUNDAÇÃO ZOOLÓGICO |
28,30% |
FUNDAÇÃO MEMORIAL AMÉRICA LATINA |
35,00% |
C. S – SISTEMA PREVIDENCIÁRIO |
27,55% |
Fonte: IMPRENSA OFICIAL, 2016.
Além destes, citamos também a Nota Técnica nº 4/2013, de 19/10/2013, emitida pela Secretaria de Controle Interno do Supremo Tribunal Federal (STF), que também se baseou no Acórdão TCU 2.622/2013, paradigma adotado pelo TCESP, em seu Manual de Fiscalização, onde verificamos os seguintes percentuais (Quadros 1 e 2):
Quadro 1 – Empresas tributadas pelo regime de incidência cumulativa de PIS e de COFINS
BDI |
Serviços: |
25,06% |
Materiais: |
11,96% | |
Equipamentos: |
5,98% |
Quadro 2 – Empresas tributadas pelo regime de incidência não-cumulativa de PIS e de COFINS
BDI |
Serviços: |
33,14% |
Materiais: |
19,03% | |
Equipamentos: |
12,68% |
Diante de todo esse aparato protetivo aos empresários da construção civil, com o qual concordamos plenamente, contudo, em homenagem ao princípio que veda o enriquecimento sem causa e ainda, aos princípios da equidade e da proporcionalidade, entendemos ser perfeitamente compatível se valer da planilha de elaboração do BDI do empreiteiro, expurgando os itens inaplicáveis às entidades do Terceiro Setor em face da imunidade tributária que lhes é atribuída pela Constituição Federal.
Para fins de comparação com a nossa proposta, utilizamos o conteúdo disponibilizado pela PINI[8], que é uma empresa de informação especializada no atendimento às necessidades dos profissionais e empresas da indústria da construção civil.
Quadro 3 – Composição do BDI de obra de engenharia - PINI:
ITEM |
DISCRIMINAÇÃO |
TAXAS DO BDI A CONSIDERAR | |
MÍNIMO - % |
MÁXIMO - % | ||
1 |
Administração Central |
10,00 |
20,00 |
1.1 |
Rateio da Administração Central |
9,00 |
15,00 |
1.2 |
Despesas específicas |
1,00 |
5,00 |
2 |
Taxa de risco |
1,00 |
5,00 |
3 |
Despesa financeira |
2,00 |
5,00 |
4 |
Tributos |
8,31 |
22,31 |
4.1 |
PIS |
0,65 |
1,65 |
4.2 |
COFINS |
3,00 |
7,60 |
4.3 |
IRPJ |
1,20 |
4,80 |
4.4 |
CSLL |
1,08 |
2,88 |
4.5 |
ISS |
2,00 |
5,00 |
5 |
Taxa de Comercialização |
2,00 |
5,00 |
6 |
Lucro |
5,00 |
15,00 |
|
Total |
28,31 |
72,31 |
Quadro 4 – Proposta para apropriação das Despesas indiretas das Entidades do Terceiro Setor nas parcerias que envolvam contratação de Recursos Humanos
ITEM |
DISCRIMINAÇÃO |
% PROPOSTA |
1 |
Administração Central |
5,00 |
2 |
Taxa de risco |
2,00 |
3 |
Despesa financeira |
2,00 |
4 |
Fundo Financeiro para preservação do Patrimônio Social |
4,00 |
|
Total |
13,00 |
Reforça a nossa insistência na regulamentação pelo Senhor Governador do Estado de São Paulo do justo reembolso das entidades do Terceiro Setor, pois, como assistimos nas apresentações dos representantes das Secretarias da Saúde e da Cultura, no Seminário realizado pelo TCESP, que a força de trabalho atualmente colocada à disposição do Estado é enorme e imprescindível na manutenção dos serviços de saúde e das atividades culturais.
Somente para essas duas pastas, em 2015, as organizações sociais colocaram a serviço do estado de São Paulo em torno de 50.000 (cinquenta mil) empregados pelo regime da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT). Diante desse cenário, há de se convir que as entidades estejam acumulando um passivo trabalhista gigantesco, que será conhecido no período de até dois anos após as rescisões contratuais e que poderá representar a insolvência de muitas delas, a persistir esse tratamento dispensado pelo órgão de controle, em face da ausência de ato normativo do Poder Executivo que contenha regras claras e justas para as parcerias.
III – Conclusão
Como restou comprovado pelo presente estudo, para as obras de engenharia contratadas ou aos concessionários de serviços públicos, já existe arcabouço técnico-jurídico que cuida da justa remuneração dos empreiteiros e empresários, posto não ser possível ao Estado locupletar-se da força de trabalho alheia. Assim, almejamos sensibilizar o Senhor Governador para que determine, com a brevidade que a situação reclama, a adoção das providências que assegurem tratamento semelhante às entidades parceiras do Governo de São Paulo.
Em substituição ao lucro que é garantido aos empreiteiros e aos concessionários de serviços públicos, para as entidades que cuidam da área social entendemos que o estado de São Paulo, assumindo uma posição de vanguarda, poderia regulamentar, nos contratos de gestão ou convênios, a possibilidade de alocação de valor destinado à preservação do patrimônio social, até porque o cenário atual revela a impossibilidade de reversão ao modelo anterior sem o Terceiro Setor. Nada mais justo e coerente que o Governo do Estado de São Paulo torne claro quais as condições que regerão as parcerias celebradas com as entidades privadas sem fins lucrativos, tornando sustentáveis as parcerias e preservando a saúde financeira das entidades parceiras.
Não se pode esquecer que cada obra de engenharia possui suas características específicas, com riscos, garantias e seguros que, de igual forma, repetem-se para cada contrato de gestão ou convênio que envolva a contratação de recursos humanos, sendo certo, porém, que, naquelas parcerias que não envolvam a contratação de recursos humanos, o ressarcimento das despesas poderia ser fixado no patamar dos 5% (cinco por cento), a exemplo do que pratica a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), além do previsto na Nota Técnica nº 4/2013 – SCI/STF.
Diante de todo o exposto, concluímos ser premente a inclusão, no Decreto Estadual nº 59.215/13, da possibilidade de ressarcimento das despesas administrativas pelas entidades privadas sem finalidades lucrativas e parceiras do Poder Público paulista, conforme previsão nos artigos 11-A e 11-B do Decreto Federal nº 6.170, de 25/7/2007, considerando a importância das parcerias com o Terceiro Setor, e por considerar justa a solicitação e, ainda, em respeito ao princípio da equidade, no que toca ao tratamento dispensado aos empreiteiros. Na sequência, determinar aos órgãos e entidades da Administração Pública do Estado de São Paulo que sejam incluídos, nos Planos de Trabalho ou Projetos Assistenciais, o reembolso das despesas administrativas de maneira justa às unidades parceiras, nos moldes defendidos neste trabalho e por tudo quanto aqui foi exposto.
Finalmente, conclama-se o Governo do Estado a assumir o protagonismo nesse relevante problema que vem comprometendo o futuro de muitas organizações sociais que, infelizmente, não contam com patrimônio financeiro suficiente para enfrentar o grande número de reclamações trabalhistas, situação tão comum em momentos de crise como o que atualmente se vivencia em nosso país.
[1] TAVARES, João Batista. Reembolso de despesas administrativas em Convênios, Contrato de Gestão e demais parcerias: Necessidade de regulamentação pelo TCESP em face da inexistência de ato normativo no estado de São Paulo. Grifon Brasil, São Paulo, 2016. Disponível em: <https://hec.su/d0RA>. Acesso em: 30 jun. 2016.
[2] TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE SÃO PAULO [TCESP]. Debates no TCESP abordam perspectivas sobre o Terceiro Setor. Disponível em: <https://hec.su/d0Sq>. Acesso em: 30 jun. 16.
[3] TERCEIRO Setor: Mudanças e Respectivas - Parte 2. Escola Paulista de Contas Públicas do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo [EPCP-TCESP]. São Paulo: EPCP-TCESP, 2016. 1 vídeo (3 h 02 min), son., color. Disponível em: <https://hec.su/d0SQ>. Acesso em: 30 jun. 2016.
[4] http://portal.tcu.gov.br/institucional/conheca-o-tcu/funcionamento/. Acesso em: 30 jun. 2016.
[5] Artigo 116 – Na falta de lei ou regulamento estadual, aplicar-se-á, supletivamente, às matérias disciplinadas por esta lei, a legislação federal pertinente.
[6] A recomendação foi feita pela Curadoria das Fundações, órgão do Ministério Público do Estado de São Paulo e responsável pelo velamento das fundações de direito privado, para a formação de um Fundo Financeiro para cada contrato de gestão, com a finalidade específica para garantir eventuais contingências administrativas, tributárias e de outras naturezas, bem como de eventuais atrasos de repasses por parte dos Governos Estadual e Municipal, é razoável e encontra-se amparada no mais lídimo interesse público - TC-016071/026/11.
[7] IMPRENSA OFICIAL [IO]. e-negociospublicos. Disponível em: <https://goo.gl/MUTOVH>. Acesso em: 30 jun. 2016.
[8] http://construcaomercado.pini.com.br/negocios-incorporacao-construcao/95/especial-obras-publicas-como-calcular-o-bdi-281833-1.aspx
Por: Artigo Científico
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