20 anos da Lei de RJ e falências: respiro para empresas, sufoco para credores
Por outro lado, o seu crescente uso levanta questionamentos sobre eventuais distorções. Em agosto de 2025, a Justiça de São Paulo extinguiu a recuperação judicial de duas empresas por usarem o instituto como forma de elidir o pagamento de dívidas. A juíza Andréa Galhardo Palma, da 2ª Vara Regional Empresarial das 1ª, 7ª e 9ª RAJs de São Paulo, afirmou que as companhias estavam “utilizando-se do processo recuperacional como instrumento de proteção indevida contra suas obrigações legais” e condenou-as ao pagamento de multa de quase R$ 900 mil por “ato atentatório à dignidade da Justiça”.
Decisões como essa evidenciam o novo retrato da Lei de Recuperação Judicial e de Falências, em seus 20 anos. Ao Anuário da Justiça, a juíza apontou que empresas têm usado o pedido de recuperação apenas para se valer do stay period, que permite a suspensão das cobranças.
Segundo o advogado e professor de Direito Comercial na PUC-SP, Marcelo Guedes, “há estudos que mostram que a recuperação judicial não obedece a essa lógica de, quando o PIB cai, a quantidade de RJ sobe, ou vice-versa. “Existe um crescimento sustentável ao longo dos anos [do número de RJs] que pode indicar a existência de uma indústria da recuperação. Talvez, haja empresas que usem o instituto para outras finalidades que não a de se recuperar, que haja um desvio de finalidade”.
Em 2024, número de empresas com autorização para iniciar recuperação judicial saltou inéditos 69%
Guedes entende que esse cenário é consequência da atual legislação. E defende que o processo de insolvência precisa ser mais pró-credor, protegendo também quem detém crédito, em vez de priorizar exclusivamente a preservação do devedor. “A falência não pode ser uma alternativa horrorosa. Tem de ser mais rápida e efetiva para os credores, para poderem se apossar dos ativos e, pelo menos, realizar uma parte do crédito deles”, avalia, ao mencionar que o uso da RJ não significa que as empresas não estão quebrando. “Se não há falência numa proporção razoável ao total de empresas [existentes], significa que as empresas não estão morrendo? Não, elas estão. Mas elas estão sendo liquidadas da maneira errada. Na prática, há no Brasil um desmanche de empresas”, disse.

Marcelo Barbosa Sacramone, advogado e ex-juiz de vara especializada em falências e recuperação judicial em São Paulo, também relaciona o elevado número de adesões à RJ à falta de credibilidade do processo falimentar. Ele observa que muitos credores aprovam planos de recuperação desfavoráveis porque a falência seria ainda pior. “A falência no Brasil demora mais que 16 anos. Se a empresa vale R$ 100, vai ser vendida por R$ 12. E vai consumir quase tudo em custas, despesas e honorários, deixando ao credor praticamente nada. A falência é considerada um fenômeno endógeno, ou seja, ele se auto-consome. O credor recebe zero. Entre zero e qualquer coisa, RJ é ótima, ainda que aquele plano seja horroroso”, disse, durante seminário sobre os 20 anos da Lei de Recuperação promovido pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais.
Antes da Lei 11.101/2005, o processo falimentar era regido pelo Decreto-Lei 7.661/1945, pautado por uma lógica punitiva e liquidatória. A concordata era o único recurso de preservação, mas restrita a poucos credores e ineficaz para reestruturação, pois não abrangia dívidas trabalhistas ou fiscais. O resultado era um sistema centrado na liquidação do patrimônio, sem espaço para negociações, com processos longos e baixa recuperação de créditos.

A Lei de Recuperação rompeu com esse modelo ao priorizar a manutenção da atividade econômica, inspirando-se em experiências estrangeiras, como o Chapter 11 (Estados Unidos), e buscando equilibrar interesses de credores e devedores. Posteriormente, a Lei 14.112/2020 modernizou o instituto, trazendo novidades como a possibilidade de produtores rurais requererem recuperação, maior participação dos credores nos planos de RJ e mecanismos de financiamento para empresas em crise, como o DIP Financing.
Advogada e administradora judicial, Lívia Gavioli Machado, sócia da Ativos Administração Judicial e Consultoria Empresarial, pondera que eventuais abusos no uso da RJ não limitam o debate sobre a lei. Ela destaca que o controle exercido por juízes e administradores judiciais, a partir da análise de documentos, endividamento e garantias, já funciona como barreira contra pedidos indevidos. Embora reconheça que o instituto possa ser usado para meramente postergar dívidas, sem viabilidade real de recuperação, Machado alerta que esse risco não pode desincentivar o uso legítimo da ferramenta. “Quanto antes a empresa reconhecer sua crise e avaliar a viabilidade de recuperação, melhor — preferível do que esperar a insolvência, quando já não há faturamento, crédito ou perspectivas, restando apenas usar a RJ para adiar a falência”, disse.
ANUÁRIO DA JUSTIÇA DIREITO EMPRESARIAL 2025
ISSN: 2965-4580
Número de páginas: 172
Versão impressa: R$ 50, à venda na Livraria ConJur
Versão digital: gratuita, disponível a partir desta segunda-feira (3/11) no site anuario.conjur.com.br ou pelo app Anuário da Justiça
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Por: Consultor Jurídico
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