Brasil tem meios jurídicos contra tarifaço de Trump, mas ritos são lentos e incertos
O problema é que essas alternativas costumam ter ritos demorados e passam pela Organização Mundial do Comércio (OMC), entidade que vive um momento de enfraquecimento institucional — em parte pelas ações do próprio presidente dos Estados Unidos.

Tarifaço inventado por Donald Trump vai entrar em vigor nesta terça-feira
Especialistas ouvidos pela revista eletrônica Consultor Jurídico acreditam que, ao tentar interferir no Judiciário brasileiro e impor como instrumento de retaliação uma tarifa de 50% a produtos do país, Trump “virou a mesa” e colocou em xeque os organismos multilaterais, que seriam o foro adequado para mediar conflitos entre Estados. O governo americano tem privilegiado acordos bilaterais ou mesmo entre blocos comerciais, como no caso recente da União Europeia.
O adiamento do tarifaço e as centenas de exceções concedidas pelos EUA esfriaram os ânimos entre Brasil e Estados Unidos e abriram caminho para a diplomacia. O temperamento imprevisível de Trump, no entanto, não dá certeza de que novas sanções podem ser descartadas — vide o exemplo indiano.
“As ações recentes dos EUA, impondo tarifas unilaterais em nome de motivos políticos ou de segurança nacional, minam a autoridade do sistema multilateral de comércio. Isso sem falar no Órgão de Apelação, que está paralisado desde 2019, quando os EUA bloquearam a nomeação de novos julgadores. Hoje uma apelação pode travar a disputa indefinidamente, já que o órgão não tem quórum para decidir”, explica Otávio Venturini, advogado e doutor em Direito e Desenvolvimento pela Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas.
Apesar disso, os especialistas consideram importante recorrer à OMC, já que não existe atualmente um acordo bilateral de comércio entre Brasil e EUA aplicável ao caso do tarifaço. Venturini aponta o Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (GATT 1994) e o Entendimento sobre Solução de Controvérsias (ESC) como instrumentos ideais de contestação.
O advogado aduaneirista Leonardo Branco, sócio do escritório Daniel e Diniz Advogados, explica que o GATT 1994 amarra todos os membros da OMC a três compromissos centrais para analisar o tarifaço. Eles estão reunidos na cláusula da nação mais favorecida: vedação a discriminações, respeito às alíquotas consolidadas em lista de concessões assinada pelos países e o direito de acionar o mecanismo de solução de controvérsias quando um benefício negociado é anulado ou diminuído.
Se a tarifa imposta por Washington supera o teto consignado na lista de concessões americanas ou recai seletivamente sobre o Brasil, há violação frontal desses dispositivos. A jurisprudência da OMC considera que a cobrança acima do teto tarifário basta para configurar a infração, independentemente de prova de intenção discriminatória.
“Existe uma série de mecanismos jurídicos que orbitam o GATT, que é a ‘nave mãe’ desse sistema voltado a proteger o comércio internacional, como o Acordo sobre Subsídios e Medidas Compensatórias (ASMC), cuja lógica é impedir vantagens artificiais concedidas por um governo aos seus produtores. Caso o tarifaço venha acompanhado de subsídios internos que distorçam preços, o ASMC pode ser invocado, como já foi em outras oportunidades. Mas o ponto central, para mim, é que a disputa já não é apenas tarifária, mas geopolítica”, argumenta Branco.
Para ele, as regras continuam válidas. O problema é a disposição de certos atores de cumpri-las. “Não é de hoje que os Estados Unidos vêm instrumentalizando o comércio para fins de política de poder, rompendo a linha que separava ‘defesa de interesses setoriais’ de ‘coerção política’ em sentido amplo. Nessa engrenagem, o direito multilateral permanece, mas seu enforcement fica comprometido.”
Solução de controvérsias
Venturini explica que o Entendimento sobre Solução de Controvérsias segue um rito com quatro fases principais na OMC. A primeira consiste em um pedido de esclarecimentos sobre a medida questionada e de ajuste como tentativa de resolver o conflito amigavelmente.
Caso as partes ainda estejam insatisfeitas, parte-se para o estabelecimento de um painel, que nada mais é do que um comitê arbitral formado por três especialistas em comércio internacional independentes. As partes apresentam argumentos orais e escritos e o comitê avalia se a tarifa questionada viola as regras da OMC.
O terceiro ato é a emissão de um relatório com as conclusões jurídicas deste comitê. Por fim, caso alguma parte discorde do parecer dos especialistas, existe a possibilidade de levar o caso ao Órgão de Apelação da OMC, que tem competência para revisar questões de direito analisadas pelo painel.
“E quais as consequências de uma decisão da OMC? Se a decisão final (do painel ou do Órgão de Apelação) concluir que a tarifa viola as regras, cabe ao país condenado informar como e em quanto tempo cumprirá a decisão. Caso o país não remova a tarifa, abre-se campo para negociar uma compensação ou, não havendo compensação, a OMC poderia autorizar uma espécie de retaliação suspendendo concessões equivalentes (Artigo 22 do ESC), por exemplo, com imposição de tarifas sobre produtos até o valor do dano sofrido”, explica Venturini.
Oficialmente, o Brasil já acionou mecanismos da OMC, solicitando consultas e levando ao Conselho Geral da Organização sua preocupação com o tarifaço. O caso, contudo, pode ser mais complexo geopoliticamente do que juridicamente.
“Embora os argumentos pareçam muito favoráveis ao Brasil, pelas regras internacionais, há desafios para a efetividade do direito, notadamente diante da assimetria dos envolvidos”, explica o especialista em Direito Internacional Saulo Stefanone Alle.
A grande desvantagem de acionar a OMC, segundo Frederico Glitz, advogado especialista em Direito Internacional e professor da UFPR, é a duração dos procedimentos.
“Na prática, cada Estado tem um poder relativo quanto ao impacto que pode gerar no mercado do ofensor. É por isso, por exemplo, que se cogita a reciprocidade tarifária e, no limite, medidas que impactem no comércio bilateral (por exemplo, a quebra de patentes ou a tarifação maior de determinados setores).”
Ações setoriais
A possibilidade de exportadores brasileiros e importadores americanos acionarem a Justiça daquele país para questionar tarifas abusivas divide os especialistas.
Para Morvan Meirelles Costa Junior, sócio da banca Meirelles Costa Advogados, ações individuais ou mesmo de entidades representativas de produtores na Justiça dos EUA contra um tarifaço imposto pelo governo americano, especialmente com base em prerrogativas de política externa ou segurança nacional, enfrentam obstáculos consideráveis.
“Em primeiro lugar, o sistema jurídico americano, em regra, concede ampla deferência ao Poder Executivo em questões de política externa e comércio internacional, ou seja, garantem ao Executivo do país certa imunidade para tratar de questões que envolvam soberania nacional e interesses econômicos difusos”, sustenta.
Branco lembra que ações individuais desse tipo já estão produzindo resultados. “A empresa importadora Johanna Foods perante a Court of International Trade (CIT) teve como argumento o fato de que a tarifa de 50% sobre produtos brasileiros ultrapassa os poderes conferidos ao presidente pelo International Emergency Economic Powers Act (IEEPA) e, logo, não tem lastro jurídico.
Em maio, a CIT acolheu argumentos muito parecidos em outros processos e os recursos do governo federal foram recebidos pelo Tribunal de Apelações do Circuito Federal (CAFC) sem efeito suspensivo, ou seja, mantendo as tarifas enquanto o mérito for examinado. Esse episódio revelou duas lições: 1) a via judicial é capaz de interromper, ainda que temporariamente, medidas tarifárias; e 2) a administração Trump dispõe de instrumentos recursais que postergam ou mesmo neutralizam os efeitos dessas decisões. Como se vê, não existe caminho fácil.
Por: Consultor Jurídico
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