TCE-PR - 06 de Maio
Consulta: Emenda orçamentária impositiva não é absoluta e está sujeita a restrições
Em ano eleitoral, gestor público não deve cumprir as emendas impositivas do Poder Legislativo que não comportem contrapartida por parte dos beneficiários, com características de distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios. Caso contrário, poderá incorrer na vedação prevista no parágrafo 10 do artigo 73 da Lei nº 9.504/1997 (Lei das Eleições), ainda que exista previsão orçamentária para tanto.
Nos termos do parágrafo 10 do artigo 73 da Lei nº 9.504/97, é proibida a execução de programas sociais por agentes públicos durante o ano eleitoral, exceto em situações de calamidade pública, estado de emergência ou continuidade de programas que já estavam em execução no exercício anterior.
Essa vedação objetiva tanto a proteção da igualdade de condições entre os candidatos no pleito como a prevenção do uso indevido da máquina pública para fins eleitorais. Por este motivo, a execução das emendas que tenham aquelas características deve ser evitada, a menos que seja comprovada sua compatibilidade com os programas contínuos, atendendo também aos critérios de transparência e legalidade.
Vale lembrar que não se legitima a transferências de recursos públicos a entidades privadas sem a prévia observância aos preceitos da Lei Federal nº 4.320/1964 (Lei da Contabilidade Pública) - artigos 12 e 16 a 19 - e ao disposto no artigo 26 da Lei Complementar nº 101/2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal - LRF), sendo necessária, ainda, a aderência da finalidade a alguma política pública relacionada a um programa específico da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) local.
Na hipótese de celebração de termo de fomento ou de colaboração para a consecução de uma determinada política pública, é necessária a prévia estipulação de um plano de trabalho, em consonância ao disposto na Lei Federal nº 13.019/2014.
Também é responsabilidade do gestor, antes do cumprimento de qualquer ementa impositiva, aferir se foi observado o percentual mínimo que necessariamente deve ser destinado às ações em saúde, assim como o percentual em despesas de capital; e, ainda, a compatibilidade da destinação aos programas previamente definidos na LDO e a existência de prévia lei autorizativa para a concessão de subvenção social, conforme as disposições do artigo 26 da LRF, observada a Lei nº 4.320/64.
Portanto, se o gestor não puder cumprir as emendas individuais devido às vedações legais durante o período eleitoral, ou em razão das respectivas emendas não cumprirem os requisitos mínimos de sua legitimidade, ele não incorrerá em descumprimento do orçamento,
Assim, se o gestor realizar transferências ou distribuições que possam ser consideradas como violação à vedação contida na Lei nº 9.504/97, ele poderá incorrer em descumprimento da legislação eleitoral, ficando sujeito a sanções administrativas e eleitorais, incluindo, em casos mais graves, a cassação do mandato.
Essa é a orientação do Tribunal de Contas do Estado do Paraná (TCE-PR), em resposta à Consulta formulada pelo Município de General Carneiro, por meio da qual questionou sobre a obrigatoriedade de execução pelo prefeito, em ano eleitoral, de emendas impositivas do Poder Legislativo que envolvam distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios.
Instrução do processo
Em seu parecer, a Procuradoria Jurídica do Município de General Carneiro informou que, para que seja possível o cumprimento das emendas impositivas, é necessário que elas tenham sido aprovadas de acordo com a legislação vigente; os recursos destinados às emendas estejam previstos no orçamento do ente; e que a sua execução não viole a vedação prevista no artigo 73, inciso VI, alínea "a", da Lei nº 9.504/97.
A Coordenadoria de Gestão Municipal (CGM) do TCE-PR lembrou que é necessário que lei orgânica municipal preveja critérios e formas de execução das emendas parlamentares individuais impositivas, seguindo o texto constitucional.
O Ministério Público de Contas (MPC-PR) afirmou que não se legitima a transferências de recursos públicos a entidades privadas sem a prévia observância aos preceitos da Lei Federal nº 4.320/64 - artigos 12 e 16 a 19 - e ao disposto no artigo 26 da LRF, sendo necessária, ainda, a aderência da finalidade a alguma política pública relacionada a um programa específico da LDO local.
O órgão ministerial ressaltou que, na hipótese de celebração de termo de fomento ou de colaboração para consecução de uma determinada política pública, é necessária a prévia estipulação de um plano de trabalho, em consonância com o disposto na Lei Federal nº 13.219/14. Além disso, alertou que, ainda que exista previsão orçamentária, o caráter de destinação gratuita, sem retorno dos beneficiários, torna inviável o cumprimento dessas emendas em período eleitoral, reforçando o entendimento pela sua vedação.
O MPC-PR acrescentou que se o gestor municipal não puder cumprir as emendas individuais devido às vedações legais durante o período eleitoral, ou em razão das respectivas emendas não cumprirem os requisitos mínimos de sua legitimidade, ele não incorrerá em descumprimento do orçamento, considerando a impossibilidade de execução das emendas em razão da legislação vigente.
Finalmente, o órgão ministerial advertiu que, caso realize transferências ou distribuições que possam ser consideradas como violação à vedação contida na Lei nº 9.504/97, o gestor poderá incorrer em descumprimento da legislação eleitoral, ficando sujeito a sanções administrativas e eleitorais, incluindo, em casos mais graves, a cassação do mandato.
Legislação, jurisprudência e doutrina
O artigo 165 da Constituição Federal (CF/88) dispõe que leis de iniciativa do Poder Executivo estabelecerão o Plano Plurianual (PPA), as diretrizes orçamentárias e os orçamentos anuais.
O parágrafo 10 desse artigo estabelece que a administração tem o dever de executar as programações orçamentárias, adotando os meios e as medidas necessários, com o propósito de garantir a efetiva entrega de bens e serviços à sociedade.
O parágrafo seguinte (11) fixa que o disposto no parágrafo 10 desse artigo, nos termos da LDO, subordina-se ao cumprimento de dispositivos constitucionais e legais que estabeleçam metas fiscais ou limites de despesas e não impede o cancelamento necessário à abertura de créditos adicionais; não se aplica nos casos de impedimentos de ordem técnica devidamente justificados; e aplica-se exclusivamente às despesas primárias discricionárias.
O artigo 166 da CF/88 expressa que os projetos de lei relativos ao PPA, às diretrizes orçamentárias, ao orçamento anual e aos créditos adicionais serão apreciados pelas duas Casas do Congresso Nacional, na forma do regimento comum.
O parágrafo 9º desse artigo prevê que as emendas individuais ao projeto de lei orçamentária serão aprovadas no limite de 2% da receita corrente líquida do exercício anterior ao do encaminhamento do projeto, observado que a metade desse percentual será destinada a ações e serviços públicos de saúde.
O parágrafo seguinte (9º-A) dispõe que, do limite a que se refere o parágrafo 9º desse artigo, 1,55% caberá às emendas de deputados; e 0,45% às de senadores.
O parágrafo 11 do artigo 166 da CF/88 estabelece que é obrigatória a execução orçamentária e financeira das programações oriundas de emendas individuais, em montante correspondente ao limite a que se refere o parágrafo 9º desse artigo, conforme os critérios para a execução equitativa da programação definidos na lei complementar prevista no parágrafo 9º do artigo 165 da Constituição, observado o disposto no parágrafo 9º-A desse artigo.
O parágrafo 19 do artigo 166 da CF/88 fixa que se considera equitativa a execução das programações de caráter obrigatório que observe critérios objetivos e imparciais e que atenda de forma igualitária e impessoal às emendas apresentadas, independentemente da autoria, observado o disposto no parágrafo 9º-A desse artigo.
A alínea "a" do inciso VI do artigo 73 da Lei nº 9.504/97 expressa é proibido, nos três meses que antecedem o pleito, realizar transferência voluntária de recursos da União aos estados e municípios, e dos Estados aos municípios, sob pena de nulidade de pleno direito, ressalvados os recursos destinados a cumprir obrigação formal preexistente para execução de obra ou serviço em andamento e com cronograma prefixado, e os destinados a atender situações de emergência e de calamidade pública.
O parágrafo 10 desse artigo prevê que, no ano em que se realizar eleição, fica proibida a distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios por parte da administração pública, exceto nos casos de calamidade pública, de estado de emergência ou de programas sociais autorizados em lei e já em execução orçamentária no exercício anterior, casos em que o Ministério Público poderá promover o acompanhamento de sua execução financeira e administrativa.
O artigo 26 da Lei de Responsabilidade Fiscal dispõe que a destinação de recursos para, direta ou indiretamente, cobrir necessidades de pessoas físicas ou déficits de pessoas jurídicas deverá ser autorizada por lei específica, atender às condições estabelecidas na LDO e estar prevista no orçamento ou em seus créditos adicionais.
O artigo 12 da Lei Federal nº 4.320/64 classifica a despesa em categorias econômicas, divididas entre despesas correntes (despesas de custeio e transferências correntes) e despesas de capital (investimentos, inversões financeiras e transferências de capital); e apresenta as definições de cada uma dessas categorias.
O artigo 16 da Lei da Contabilidade Pública estabelece que, fundamentalmente e nos limites das possibilidades financeiras, a concessão de subvenções sociais visará a prestação de serviços essenciais de assistência social, médica e educacional, sempre que a suplementação de recursos de origem privada aplicados a esses objetivos, revelar-se mais econômica.
O parágrafo único desse artigo fixa que o valor das subvenções, sempre que possível, será calculado com base em unidades de serviços efetivamente prestados ou postos à disposição dos interessados obedecidos os padrões mínimos de eficiência previamente fixados.
O artigo seguinte (17) expressa que somente à instituição cujas condições de funcionamento forem julgadas satisfatórias pelos órgãos oficiais de fiscalização serão concedidas subvenções.
O artigo 18 da Lei Federal nº 4.320/64 dispõe que a cobertura dos déficits de manutenção das empresas públicas, de natureza autárquica ou não, far-se-á mediante subvenções econômicas expressamente incluídas nas despesas correntes do orçamento da União, do estado, do município ou do Distrito Federal.
O parágrafo único desse artigo estabelece que se consideram, igualmente, como subvenções econômicas as dotações destinadas a cobrir a diferença entre os preços de mercado e os preços de revenda, pelo governo, de gêneros alimentícios ou outros materiais; e as dotações destinadas ao pagamento de bonificações a produtores de determinados gêneros ou materiais.
O artigo seguinte (19) fixa que a Lei de Orçamento não consignará ajuda financeira, a qualquer título, a empresa de fins lucrativos, salvo quando se tratar de subvenções cuja concessão tenha sido expressamente autorizada em lei especial.
A Lei Federal nº 13.019/14 estabelece o regime jurídico das parcerias entre a administração pública e as organizações da sociedade civil, em regime de mútua cooperação, para a consecução de finalidades de interesse público e recíproco, mediante a execução de atividades ou de projetos previamente estabelecidos em planos de trabalho inseridos em termos de colaboração, em termos de fomento ou em acordos de cooperação; define diretrizes para a política de fomento, de colaboração e de cooperação com organizações da sociedade civil.
Em 3 de dezembro de 2024, no recente julgamento da Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 854, o ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF), analisou novamente a questão das emendas impositivas. Nessa oportunidade, ele reiterou o seu entendimento já firmado nas Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) números 7688, 7659 e 7697, especialmente em relação às emendas individuas. Ele reforçou o condicionamento da liberação de recursos à apresentação e aprovação prévias de planos de trabalho registrados em plataforma específica como uma medida indispensável para assegurar a compatibilidade das emendas com os instrumentos de planejamento e controle orçamentário, especialmente o PPA e a LDO.
Nessa oportunidade, o ministro do STF também reforçou que a exigência de planos de trabalho, claros e aprovados, assegura que a aplicação dos recursos oriundos das emendas impositivas não apenas cumpra a legislação, mas também observe as diretrizes e limites fixados na LDO, protegendo o erário de aplicações inadequadas ou desconformes aos princípios constitucionais da eficiência, moralidade e legalidade.
O jurista Rodrigo López Zilio afirmou que é possível cogitar a exclusão da conduta vedada se a distribuição realizada pela administração pública exigir uma contrapartida do beneficiário, desde que esse ônus tenha razoabilidade e adequação com o fim público, não denotando nesse ato um caráter meramente eleitoreiro.
Decisão
O relator do processo, conselheiro Durval Amaral, concordou com o posicionamento do MPC-PR. Ele explicou que, apesar do caráter obrigatório de certos aditivos realizados pelos integrantes do Poder Legislativo à proposta orçamentária de iniciativa do chefe do Poder Executivo, isso não significa que automaticamente sempre deverão ser cumpridos e executados diante da natureza, objeto e destino a ser dado aos recursos.
Amaral afirmou que, embora sua previsão tenha estatura constitucional, o orçamento impositivo encontra seus próprios limites, expressos no texto da Constituição ou também na legislação esparsa infraconstitucional.
O conselheiro ressaltou que a execução de emendas impositivas que resultem na distribuição gratuita de bens ou benefícios sem contrapartida dos beneficiários e sem lei prévia configura violação da regra constitucional de validade da emenda e violação da legislação eleitoral.
O relator endossou o entendimento do MPC-PR em relação às emendas disciplinadas pelas emendas constitucionais nº 86/15, nº 100/19, nº 105/19 e nº 126/22 conferirem aos parlamentares o direito de propor alocações específicas no orçamento, com execução obrigatória, desde que respeitadas as normas constitucionais e legais. Ele lembrou da obrigatoriedade de que 1% das receitas correntes liquidas, ou seja, metade das emendas parlamentares impositivas, seja previamente destinado a ações de saúde; e de que 70% dos valores decorrentes de emendas parlamentares impositivas sejam destinadas a despesas de capital.
Além disso, Amaral recordou a necessidade da compatibilidade da destinação com programas e políticas públicas previamente definidas na LDO; e de edição de lei específica, nos termos do artigo 26 da LRF, a autorizar a transferência a pessoas jurídicas, bem como a observância aos preceitos da Lei nº 4.320/64 - artigos 12 e 16 a 19 -, quando for o caso. Em resumo, ele concluiu que a obrigatoriedade do cumprimento da emenda impositiva não é absoluta e está sujeita às restrições impostas pela Constituição e pela legislação eleitoral.
O conselheiro ressaltou que a mera previsão na Lei Orçamentária Anual, atribuindo à emenda impositiva o caráter de destinação gratuita, sem qualquer retorno ou contraprestação, inviabiliza o cumprimento dessa emenda.
O relator frisou que a regra geral de vedação comporta exceções, desde que comprovada a circunstância que a legitime. Ele explicou que durante o ano eleitoral, a partir de 1º de janeiro do ano da eleição, qualquer distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios é proibida, exceto nas situações expressamente previstas em lei.
Mas Amaral afirmou que se houver evidências claras de que as doações e benefícios já eram realizados em anos anteriores; não foram introduzidos no ano eleitoral; estão autorizados nos instrumentos orçamentários; e, efetivamente, beneficiaram a população nos exercícios anteriores, sem limitar-se à mera previsão orçamentária, essas situações podem ser consideradas exceções à regra.
O conselheiro alertou que a execução de emendas que impliquem distribuição de bens ou serviços deve ser cuidadosamente avaliada e, preferencialmente, evitada, salvo quando puder demonstrar sua compatibilidade com programas contínuos e quando atender os critérios de transparência e legalidade, conforme reforçado pelo recente voto do ministro Flávio Dino, do STF, o qual enfatizou a necessidade de prudência e responsabilidade na gestão pública durante períodos eleitorais.
Quanto ao dever de execução, o relator acrescentou que o parágrafo 10 do artigo 165 da CF/88 determina que esse dever se estenda a todas as programações finalísticas, ou seja, aquelas que resultam na entrega de bens e serviços; e que o descumprimento dessa obrigação pode levar à responsabilização administrativa e pessoal do gestor, o que implica sanções que podem variar de advertências até multas.
Amaral enfatizou que, ao contrário das despesas obrigatórias, cujo descumprimento aumenta automaticamente o passivo patrimonial, as programações impositivas não têm esse efeito direto, mas ainda assim responsabilizam o gestor a garantir sua execução, quando compatíveis com as regras constitucionais, com os programas definidos na LDO local e com a legislação pertinente. Por outro lado, ele advertiu que devem ser respeitadas as vedações impostas pela legislação durante o período eleitoral, que impedem a realização de transferências voluntárias e a execução de obras que não estejam em andamento, além de restringir a criação ou aumento de despesas que possam beneficiar candidatos.
Assim, o conselheiro reforçou o entendimento de que, mesmo que haja a obrigatoriedade em executar as emendas impositivas, o gestor deve observar as limitações legais durante o período eleitoral, até porque o descumprimento das normas eleitorais poderá resultar em penalidades.
Finalmente, o relator concluiu que, em razão da vedação imposta pela legislação eleitoral às transferências especiais durante os três meses que antecedem as eleições, o gestor municipal não incorrerá em descumprimento do orçamento ao não cumprir as emendas individuais. Por isso, ele alertou que o gestor deve ter cautela redobrada na execução das emendas que não comportam contrapartida por parte dos beneficiários e que possuem características de distribuição gratuita de bens, valores ou benefício.
Os conselheiros aprovaram o voto do relator por unanimidade, na Sessão Ordinária de Plenário Virtual nº 5/25 do Tribunal Pleno do TCE-PR, concluída em 27 de março. O Acórdão nº 683/25 - Tribunal Pleno foi disponibilizado em 7 de abril, na edição nº 3.419 do Diário Eletrônico do TCE-PR (DETC).
Serviço
Processo nº:
402460/24
Acórdão nº
683/25 - Tribunal Pleno
Assunto:
Consulta
Entidade:
Município de General Carneiro
Relator:
Conselheiro José Durval Mattos do Amaral
Autor: Diretoria de Comunicação Social
Fonte: TCE/PR
Por: Tribunal de Contas do Estado do Paraná