CP - Constitucionalidade de manifesto popular
Direito administrativo – COVID19 – manifesto popular – redução nos subsídios dos vereadores – anterioridade e irredutibilidade – proposta a ser deliberada pelos próprios edis - medida de solidariedade no contexto de uma crise econômica e social sem precedentes, a fim de beneficiar cidadãos mais vulneráveis - possibilidade
RELATÓRIO DE CONSULTA
Data da consulta: 22/05/2020
Data da resposta: 25/05/2020
Consulta nº. 0002.0000.9835/2020
Questionamento:
Venho pelo presente solicitar que nos seja enviado por gentileza, orçamento para a confecção de parecer acerca de manifesto popular (em anexo) apresentado à esta Casa, identificando se há constitucionalidade e legalidade em sua natureza.
Esta Casa entende que tal manifesto fere sobremaneira o princípio da Regra da Legislatura, dentre outros princípios, mas faz-se necessário a solicitação de Parecer de conceituada entidade para fins de apresentação pela Comissão de Justiça e Redação desta Casa.
Seguem apenas as primeiras páginas do manifesto, em razão das demais serem apenas de assinatura coletadas de forma eletrônica.
Copio e colo o artigo da LOM que dispõe sobre a apresentação de iniciativa popular:
Art. 42º- A iniciativa popular poderá ser exercida pela apresentação à Câmara Municipal de projeto de lei subscrito por, no mínimo, cinco por cento do eleitorado do Município.
O número preciso de assinatura seria o de 475, o que foi atendido, porém não foi anexado projeto de Lei à manifestação. Em tempo, o instrumento legal seria projeto de Resolução, e nem de autoria da Presidência e sim, da Mesa Diretora. Questões essas que solicitaria que se fizessem presentes no Parecer, caso essa insigne organização apresentasse o melhor valor para a confecção do mesmo.
OBS: Em tempo, a Prefeitura Municipal de Urupês dispõe de recursos para combate à pandemia na ordem de R$. 2 milhões, além de grande estoque de materiais nas áreas da saúde, educação e assistência social, sem contar ainda, os recursos que advirão.
Conclusão:
- DA CONSULTA FORMULADA
Trata-se de consulta que versa sobre a constitucionalidade de manifesto popular apresentado solicitando a elaboração de Projeto de Lei para redução dos subsídios dos vereadores em 50% em razão da pandemia causada pelo Covid-19, com a destinação dos recursos poupados para ações de combate ao coronavirus.
- CONSIDERAÇÕES GERAIS
Primeiramente, é necessário esclarecer que, conforme relatado no teor do manifesto popular apresentado, diversos municípios do país aprovaram cortes nos subsídios de seus agentes políticos e verbas de gabinete, direcionando os recursos poupados para ações de combate à pandemia causada pelo Covid-19.
Contudo, necessário analisar a questão objeto da consulta de acordo com o ordenamento jurídico vigente. Vejamos.
Primeiramente, analisando o disposto no artigo 42 da Lei Orgânica do Município, o Manifesto Popular consiste na apresentação à Câmara Municipal de projeto de lei subscrito por, no mínimo, cinco por cento do eleitorado do Município:
Art. 42º- A iniciativa popular poderá ser exercida pela apresentação à Câmara Municipal de projeto de lei subscrito por, no mínimo, cinco por cento do eleitorado do Município.
Dessa forma, o manifesto apresentado não se trata de projeto de Lei subscrito por 5% do eleitorado do Município, mas sim de solicitação para que a presidente da Câmara Municipal proponha um projeto de Lei que reduza os subsídios dos vereadores na ordem de 50%.
Assim, verifica-se, a priori, que o documento encaminhado à esta Casa de Leis está em desacordo com o disposto no artigo 42 da LOM, uma vez que não se trata, em sua essência, de manifesto popular, mas sim de solicitação à Presidência da Câmara Municipal.
Não obstante, ainda que se acate a solicitação em análise, necessário frisar que o artigo 22, III, “c” da LOM dispõe que compete privativamente à Mesa Diretora, por meio de Resolução, a criação, transformação ou extinção de cargos, empregos e funções de seus serviços e fixação da respectiva remuneração, observados os parâmetros estabelecidos na Lei de Diretrizes Orçamentárias.
Em relação ao tema, destacamos o voto do Desembargador Walter de Almeida Guilherme, ADI 0281594-72.2011.8.26.0000, do Estado de São Paulo:
A revisão geral anual dos subsídios dos Vereadores se faz por lei especifica, de iniciativa da Câmara Municipal, pois assim dispõe o artigo 37. X, da Constituição Federal. Aliás, soa logico que, se para fixação do subsidio, de uma legislatura para outra, é exigível ato do Poder Legislativo (resolução), para proceder à revisão geral deste dever a lei também ter origem naquele Poder. Vale dizer, a competência para iniciar o processo legislativo que dispõe sobre a revisão anual dos subsídios dos Vereadores é da MESA DIRETORA DA CÂMARA DOS VEREADORES (TJ-SP ADI 0281594-72.2011.8.26.0000, rel. Des. Rui Copolla, julgamento em 04/042012)
Assim, na hipótese de se cogitar a redução nos subsídios dos vereadores, atendendo ao manifesto, haveria vicio formal, haja vista que violaria a iniciativa privativa da Mesa da Câmara, sendo esta indelegável.
Outro ponto que merece destaque é a questão referente à possibilidade de redução dos subsídios na mesma legislatura.
Conforme dispõe o art. 29, VI, da Constituição Federal, “o subsídio dos Vereadores será fixado pelas respectivas Câmaras Municipais em cada legislatura para a subsequente, observado o que dispõe esta Constituição, e os critérios estabelecidos na respectiva Lei Orgânica, bem como os seguintes limites máximos”.
Parece-nos, preliminarmente, que o impedimento atrelado à regra da anterioridade da legislatura compreende a inalterabilidade do subsídio dos edis durante a legislatura vigente.
Assim, em tese, a redução da remuneração dos Vereadores poderá ser acusada de, formalmente, infringir o art. 29, inciso VI, do da Constituição Federal, denominada “regra da legislatura”.
Com efeito, há julgados nesse sentido:
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. Art. 1º, § 2º, in fine, e art. 3º da Lei nº 7.062, de 4 de julho de 2011, do Município de Piracicaba. Previsão de reajuste anual do subsídio dos Vereadores. Inconstitucionalidade. Inobservância da denominada "regra da legislatura", segundo a qual os subsídios dos Vereadores devem ser fixados para a legislatura seguinte. Art. 29, VI, da Constituição Federal. Deliberação dos Vereadores sobre a conveniência e oportunidade de reajustar seus próprios subsídios. Inadmissibilidade, sob pena de esvaziamento do significado do dispositivo constitucional. Norma que, ademais, vincula a revisão anual dos subsídios dos Vereadores aos índices adotados para os servidores públicos municipais. Manifesta infringência do art. 115, XV, da Constituição do Estado de São Paulo. Ação julgada procedente (ADI 2204416-08.2014, Rel. Des. ANTONIO CARLOS VILLEN, j. 27.04.2016). (grifo nosso)
Portanto, a regra da anterioridade, consiste em uma projeção específica do princípio da moralidade, inserto no art. 37, caput da CRFB/88, com o objetivo de evitar a prevalência de interesses particulares dos detentores de mandato eletivo na fixação do valor das próprias remunerações.
O Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADI 2.238-MC/DF, sob a relatoria do Ministro Ilmar Galvão, assentou, com base nos termos do art. 37, XV, da Constituição, a impossibilidade de retenção salarial ser utilizada como meio de redução de gastos com pessoal com o objetivo de adequação aos limites legais ou constitucionais de despesa.
O entendimento foi confirmado pelo Ministro Roberto Barroso, ao negar provimento ao RE 836.198 PB, j. 7.06.2016). Também no RE/SP n° 213.524 o Supremo Tribunal Federal manteve a decisão do Tribunal de Justiça local que revogou a redução dos subsídios dos vereadores, tendo o voto vencedor do Ministro Marco Aurélio, indicando que “a cláusula referente à fixação da remuneração na legislatura em curso visa a colar ao ato equidistância, independência, razão pela qual o momento propício estaria no período que antecede ao pleito, já que com este ter-se-ia a ciência dos que viriam a beneficiar-se da nova fixação. Esse enfoque atende à mens legis da norma constitucional. A razão de ser de fixar-se ao término da legislatura em curso a nova remuneração está, justamente, em buscar-se a almejada equidistância, obstaculizando-se, assim, procedimento que implique legislar em causa própria ou em prejuízo daqueles de facção política contrária.”
Nesse sentido, a medida de redução dos subsídios somente seria possível na hipótese de o limite previsto no §1º, do art. 29-A da Constituição Federal estar comprometido, o que não parece ser o caso. Assim, eventual proposta poderia estar eivada de vício formal (violação à “regra da legislatura”) e material (violação à irredutibilidade material).
Não obstante, conforme já destacado, não podemos ignorar a que a inesperada pandemia deflagrada no ano de 2020, com inegáveis impactos econômicos e sociais, tem suscitado novos enfoques jurídicos para situações e medidas a ela relacionadas, que privilegiem a solidariedade.
Sobre a questão, a nota técnica 001/2020 da assessoria jurídica da Câmara Municipal de São Paulo, através de sua procuradora chefe Maria Nazaré Lins Barbosa discorre sobre o tema com pertinência:
A título de exemplo, o Supremo Tribunal Federal, nos autos da ADI 6357 MC/DF, em voto do Ministro Relator Alexandre de Moraes, ad referendum do Plenário da Corte, conferiu interpretação conforme à Constituição Federal a dispositivos da Lei de Responsabilidade Fiscal para, durante a emergência em Saúde Pública de importância nacional e o estado de calamidade pública decorrente de COVID-19, afastar a exigência de demonstração de adequação e compensação orçamentárias em relação à criação/expansão de programas públicos destinados ao enfrentamento do contexto de calamidade gerado pela disseminação de COVID-19, ressaltando que a medida cautelar se aplica a todos os entes federativos que, nos termos constitucionais e legais, tenham decretado estado de calamidade pública decorrente da pandemia de COVID-19.
Lembre-se ainda que o STF, em julgado paradigmático, atentou para a prevalência dos princípios da solidariedade e do equilíbrio financeiro sobre outros, não reconhecendo o direito adquirido dos pensionistas que não pagavam a contribuição à Previdência (ADIn 3.105, Rel. Ministro Cezar Peluso, j. 18-8-2004).
De qualquer modo, ressalte-se que a medida extrema da qual se cogita – redução de subsídios de parlamentares no curso da legislatura, em que pesem as apontadas normas constitucionais relativas à anterioridade e à irredutibilidade – haveria de estar expressamente relacionada a medidas de enfrentamento ao combate à pandemia, tal como se deu na Lei nº 17.338 de 14 de abril de 2019, aprovada nesta Casa. Com efeito, ali restou consignado expressamente que “em virtude da situação de emergência e de calamidade pública decorrentes do Coronavírus, como medida excepcional, no exercício de 2020 deverá a Mesa Diretora da Câmara Municipal, por ato próprio, transferir o saldo....do Fundo Especial de Despesas da Câmara Municipal à Conta Única do Tesouro Municipal”. E ainda: Os valores transferidos na forma prevista no caput deste artigo deverão, preferencialmente, ser utilizados em ações vinculadas à Secretaria Municipal da Saúde e à Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social no enfrentamento ao Coronavírus no Município de São Paulo.” Assim, ficaria plasmada a razão pela qual medida tão extrema, e em princípio desafiadora das normas constitucionais relativas à anterioridade e à irredutibilidade dos subsídios, seria admissível em face da circunstância tão excepcional vivenciada.
(...)
Pontue-se, finalmente, que a redução de subsídio de parlamentares, embora desafie a irredutibilidade prevista no art. 37, XV da Constituição, decorreria de proposta por eles apresentada, discutida e deliberada, como medida de solidariedade no contexto de uma crise econômica e social sem precedentes, a fim de beneficiar cidadãos mais vulneráveis. Já a questionável redução de remuneração de servidores ocupantes de cargos de livre provimento em comissão não seria passível de assentimento prévio de seus destinatários, o que acentua sua inadequação.
De todo o exposto, sou dada a concluir que:
1. A Resolução é o veículo normativo adequado para a fixação de percentual de subsídios dos Vereadores. Todavia, a medida extrema da qual se cogita – redução de subsídios de parlamentares no curso da legislatura – que desafia a regra da anterioridade (art. 29, VI da CF/88) e da irredutibilidade (art. 37, XV da CF/88) – relaciona-se à excepcionalíssima situação de calamidade pública vivenciada no presente. Deste modo, o texto normativo proposto deverá fazer expressa menção à destinação dos recursos por seu meio economizados, como medida de enfrentamento à pandemia, tal como se deu na Lei nº 17.338 de 14 de abril de 2019, aprovada nesta Casa.
2. A Resolução é o veículo normativo adequado para a proposta de redução dos valores fixados para o Auxílio-Encargos Gerais de Gabinete, ainda que sua fixação tenha se dado por Lei, uma vez que não há aumento de despesa, e se trata de matéria interna corporis, ao amparo do art. 2º, 48, 51, IV e 52, XIII da Constituição Federal, bem como art. 20, III da Constituição do Estado de São Paulo, além de art. 26 da LDO/2020 e art. 16 da Lei nº 17. 153 de 17 de agosto de 2019. A jurisprudência e a doutrina são pacíficas a este respeito.
3. A reestruturação de cargos e de remuneração dos servidores do Poder Legislativo pode ser feita por Resolução, desde que não implique aumento de despesas e esteja em consonância com a lei de diretrizes orçamentárias. Todavia a redução dos vencimentos de servidores públicos do Quadro do Poder Legislativo, inclusive daqueles que ocupam cargos de livre provimento em comissão - seja por Lei ou por Resolução - é de duvidosa constitucionalidade, posto que o princípio de irredutibilidade de vencimentos previsto no art. 37, inc. XV da Constituição Federal se aplica indistintamente aos servidores públicos. Este é o entendimento que prevalece nos Tribunais Superiores, e a circunstância de calamidade pública não afasta sua incidência. São Paulo, 23 de abril de 2020. Maria Nazaré Lins Barbosa. Procuradora Legislativa Chefe OAB. 106.017 (disponível em http://www.saopaulo.sp.leg.br/assessoria_juridica/nota-tecnica-no-001-2020/ - acesso em 24.05.2020) (grifo nosso)
Verifica-se que a conclusão adotada enfatiza que a redução de subsídio de parlamentares, embora desafie a irredutibilidade prevista no art. 37, XV da Constituição, decorreria de proposta apresentada pela Mesa Diretora da Câmara, discutida e deliberada entre os próprios vereadores, como medida de solidariedade no contexto de uma crise econômica e social sem precedentes, a fim de beneficiar cidadãos mais vulneráveis, ainda que o Município disponha de recursos e insumos para enfrentamento da pandemia.
Assim, a medida extrema cogitada, apesar de desafiar a regra da anterioridade (art. 29, VI da CF/88) e da irredutibilidade (art. 37, XV da CF/88), estaria atrelada à excepcional situação de calamidade pública vivenciada no país.
Nesse sentido, na hipótese de haver resolução que promova a solicitada redução dos subsídios dos vereadores, o texto normativo proposto deverá fazer expressa menção à destinação dos recursos por seu meio economizados, como medida de enfrentamento à pandemia.
- CONCLUSÃO
Diante do exposto, este Centro de Estudos conclui que o documento encaminhado a esta Casa de Leis está em desacordo com o disposto no artigo 42 da Lei Orgânica do Município, uma vez que não se trata, em sua essência, de manifesto popular, mas sim de mera solicitação à Presidência da Câmara Municipal.
Não obstante, ainda que se acate a solicitação em análise, necessário frisar que o artigo 22, III, “c” da LOM dispõe que compete privativamente à Mesa Diretora, por meio de Resolução, a criação, transformação ou extinção de cargos, empregos e funções de seus serviços e fixação da respectiva remuneração, observados os parâmetros estabelecidos na Lei de Diretrizes Orçamentárias.
Assim, na hipótese de se cogitar a redução nos subsídios dos vereadores atendendo aos termos do Manifesto, haveria vicio formal, haja vista que violaria a iniciativa privativa da Mesa da Câmara, sendo esta indelegável.
Por fim, no que tange ao objeto central do Manifesto apresentado (redução dos subsídios dos vereadores ainda nesta legislatura), em que pese às regras atinentes à anterioridade e irredutibilidade, não se pode ignorar a que a inesperada pandemia deflagrada no ano de 2020, com inegáveis impactos econômicos e sociais, tem suscitado novos enfoques jurídicos para situações e medidas a ela relacionadas, que privilegiem a solidariedade.
Dessa forma, a medida extrema cogitada estaria atrelada à excepcional situação de calamidade pública vivenciada no país, bem como decorreria de proposta apresentada pela Mesa Diretora da Câmara, discutida e deliberada entre os próprios vereadores da Casa, como medida de solidariedade no contexto de uma crise econômica e social sem precedentes, a fim de beneficiar cidadãos mais vulneráveis, ainda que o Município disponha de recursos e insumos para enfrentamento da pandemia.
Nesse sentido, na hipótese de haver resolução que promova a solicitada redução dos subsídios dos vereadores, o texto normativo proposto deverá fazer expressa menção à destinação dos recursos por seu meio economizados, como medida de enfrentamento à pandemia.
É o Parecer!
A.P.S.
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