CP - O Municipio pode ingressar com ação contra Prefeitura por atrasado no pagamento de tributos ?
Direito tributário – inaplicabilidade do CDC nas relações jurídico tributárias – relações distintas – multa prevista no CTM - legalidade
RELATÓRIO DE CONSULTA
Data da consulta: 28/05/2020
Data da resposta: 02/06/2020
Consulta nº. 0002.0000.9836/2020
Questionamento:
Certo munícipe ingressou com ação judicial contra a Prefeitura questionando a cobrança de multa por atraso de pagamento de Tributos.
O nosso Código Tributário Municipal diz que: “Os créditos tributários não pagos no vencimento ficarão sujeitos a multa de cinco por cento (5%)”.
Alega, o autor da ação, que: “A legislação Federal n. 8.078/1990 diz no seu art. 52, §1º que a multa de mora não pode ser superior a 2%”.
Sendo assim, pergunta-se:
A Prefeitura está fazendo a cobrança da multa corretamente (5%), uma vez que esta se baseando no Código Tributário do Município?
Conclusão:
- DA CONSULTA FORMULADA
Trata-se de consulta que versa sobre a aplicação da Lei Federal n. 8.078/1990 (Código de Defesa do Consumidor) nas relações jurídico-tributárias.
Esclarece o Consulente que determinado munícipe ingressou com Ação judicial questionando a aplicação de multa de 5% por inadimplemento de tributos, baseando-se no art. 52, §1º do Código de Defesa do Consumidor, que disciplina que as multas de mora decorrentes do inadimplemento de obrigações no seu termo não poderão ser superiores a dois por cento do valor da prestação.
Dessa forma, questiona se o Município está realizando a cobrança de acordo com o Código Tributário Municipal de forma correta.
- BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE O CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR
A Lei n° 8.078, de 11 de setembro de 1990, Código de Defesa do Consumidor, é considerado um microssistema jurídico com princípios próprios, e possui como objetivo principal regular as relações de consumo entre pessoas desiguais, tendo de um lado consumidores e, do outro, fornecedores.
Os artigos 2° e 3° do CDC trazem as definições de consumidor e fornecedor, respectivamente. A partir da análise dos citados dispositivos, a doutrina e a jurisprudência buscam definir o conceito de relação jurídica de consumo e, por consequência, surgem delimitações do campo de aplicação de CDC.
Contudo, há uma forte discussão no cenário jurídico sobre os limites do campo de aplicação do código consumerista, não havendo um entendimento pacífico sobre o tema.
O artigo 2° é bastante discutido na doutrina e na jurisprudência, sobretudo no que tange a abrangência do termo “destinatário final”. Inicialmente surgiram duas correntes doutrinárias para tratar do assunto, os finalistas e os maximalistas.
Para os adeptos da teoria finalista, o consumidor seria aquele que adquire o produto ou utiliza de um serviço para uso próprio, sem o intuito de angariar lucro. Já os maximalistas entendem que qualquer pessoa, física ou jurídica, que adquira ou utilize produto ou serviço, independentemente da utilização que lhe aprouver será considerada consumidora, bastando a realização de um ato de consumo.
Para analise do caso em tela, mister destacar que a corrente maximalista entende que o CDC veio para regulamentar o mercado de consumo, assim, suas normas e princípios devem ser aplicados para todos, qualquer pessoa, física ou jurídica, que adquira ou utilize produto ou serviço, independentemente da utilização. Dessa forma, verifica-se que os defensores dessa teoria tentam expandir o âmbito de aplicação do Código de Defesa do Consumidor.
Após o advento do Código Civil de 2002, uma terceira teoria na interpretação do conceito de consumidor, a qual já foi analisada em decisões do Superior Tribunal de Justiça e de outros tribunais pátrios, destacando o critério da vulnerabilidade para a identificação do consumidor. Trata-se do finalismo aprofundado ou interpretação finalista aprofundada.
Nessa visão se concentra na vulnerabilidade aplicada geralmente para pequenas empresas que utilizam insumos não diretos para em sua cadeia produtora, e desde que provada a vulnerabilidade conclui-se pela destinação final de consumo e pela aplicação do Código de Defesa do Consumidor.
Na decisão do Resp 476.428-SC, de relatoria da Min. Fátima Nancy Andrighi, verificou-se a tendência do Superior Tribunal de Justiça em expandir o conceito de consumidor, desde que haja a vulnerabilidade de uma parte em detrimento da outra:
“Direito do Consumidor. Recurso especial. Conceito de consumidor. Critério subjetivo ou finalista. Mitigação. Pessoa Jurídica. Excepcionalidade. Vulnerabilidade. Constatação na hipótese dos autos. Prática abusiva. Oferta inadequada. Característica, quantidade e composição do produto. Equiparação (art. 29). Decadência. Inexistência.Relação jurídica sob a premissa de tratos sucessivos. Renovação do compromisso. Vício oculto.A relação jurídica qualificada por ser "de consumo" não se caracteriza pela presença de pessoa física ou jurídica em seus pólos, mas pela presença de uma parte vulnerável de um lado (consumidor), e de um fornecedor, de outro. – Mesmo nas relações entre pessoas jurídicas, se da análise da hipótese concreta decorrer inegável vulnerabilidade entre a pessoa-jurídica consumidora e a fornecedora, deve-se aplicar o CDC na busca do equilíbrio entre as partes. Ao consagrar o critério finalista para interpretação do conceito de consumidor, a jurisprudência deste STJ também reconhece a necessidade de, em situações específicas, abrandar o rigor do critério subjetivo do conceito de consumidor, para admitir a aplicabilidade do CDC nas relações entre fornecedores e consumidores-empresários em que fique evidenciada a relação de consumo. – São equiparáveis a consumidor todas as pessoas, determináveis ou não, expostas às práticas comerciais abusivas. – Não se conhece de matéria levantada em sede de embargos de declaração, fora dos limites da lide (inovação recursal). Recurso especial não conhecido” (grifo nosso)
Essa teoria acabou abrindo espaços para o alargamento do campo de aplicação do CDC, até para ramos que não são considerados consumeristas, como as relações jurídico-tributárias, conforme veremos a seguir.
- DA NÃO-APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR NAS RELAÇÕES JURÍDICO-TRIBUTÁRIAS
Conforme destacado no item anterior, a teoria finalística aprofundada abriu campo para formação de teses que sustentam a premissa de que o Código de Defesa do Consumidor pode ser aplicado nas relações jurídico-tributárias.
Não obstante, para aferir a existência de relação de consumo, é necessário estabelecer como parâmetro os ditames dos arts. 2° e 3° do CDC, ou seja, analisar se de um lado está um consumidor adquirindo bens ou utilizando de serviços como destinatário final e do outro um fornecedor, nos termos do art. 3° da Lei n° 8078/90 ou do art. 966 do Código Civil. Importante consignar que também existe a figura do consumidor por equiparação, sendo aqueles que podem ser vítimas de um evento de consumo, neste ponto destacam-se os artigos 17 e 29 do CDC.
O direito do consumidor tem como premissa a existência de vulnerabilidade do consumidor perante o fornecedor, aplicando-se a lei protetiva para equilibrar essa relação entre consumidor e fornecedor, prestigiando o princípio da isonomia. Dessa forma, o contribuinte seria vulnerável em relação ao fisco, e assim, a utilização do Código de Defesa do Consumidor seria permitida.
Pois bem, com base nessa tese que admite a aplicação do CDC nas relações jurídico-tributária, os contribuintes tentam reduzir os valores das multas moratórias para o patamar de 2%, com base no art. 52, § 1º, do CDC.
Contudo, o entendimento predominante na jurisprudência se mostra contrário a essa tese. Vejamos.
O Acórdão que julgou o RESP n° 897.088 - abaixo ementado - a ministra do Superior Tribunal de Justiça, Eliana Calmon, afastou a aplicação do CDC nas relações jurídico-tributária, fundamento sua decisão na premissa de que “no que tange à aplicabilidade do art. 52, § 1º, do CDC ao parcelamento tributário, a tese é inaceitável, na medida em que a relação jurídica tributária não se confunde, nem se assemelha à relação consumeirista, tendo lugar, portanto, as normas pertinentes à matéria, nos termos da legislação estadual específica”:
“TRIBUTÁRIO – PARCELAMENTO – DENÚNCIA ESPONTÂNEA – INOCORRÊNCIA – MULTA MORATÓRIA DEVIDA – OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA – INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO DE CONSUMO – INAPLICABILIDADE DO ART. 52, § 1º, DO CDC – AUSÊNCIA DE INDICAÇÃO DO DISPOSITIVO TIDO POR VIOLADO – DEFICIÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO – SÚMULA 284/STF. 1. A Primeira Seção do STJ, ao julgar o REsp 284.189/SP em 17/06/2002, reviu seu posicionamento, concluindo pela aplicação da Súmula 208 do extinto TFR, por considerar que o parcelamento do débito não equivale a pagamento, o que afasta o benefício da denúncia espontânea. 2. Entendimento consentâneo com o teor do art. 155-A do CTN, com a redação dada pela LC 104/2001. 3. A obrigação tributária não constitui relação de consumo, de forma que inaplicável o art. 52, § 1º, do CDC. 4. A ausência de indicação do dispositivo legal tido por violado configura deficiência de fundamentação, que autoriza o não-conhecimento do recurso, nos termos da Súmula n. 284/STF. 5. Recurso especial não provido.” (REsp 897.088/SP, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 04/09/2008, DJe 08/10/2008) (grifo nosso)
Em outro julgado, o ministro do Superior Tribunal de Justiça, Hamilton Carvalhido, consignou em seu voto que:
“tendo a multa moratória natureza punitiva, ou seja, como ela decorre do não recolhimento do tributo no tempo devido, tem-se como inaplicáveis as regras do Código de Defesa do Consumidor para fins de redução do seu percentual, uma vez que este instituto é aferível para o regramento das relações de natureza eminentemente privada, no qual não se enquadra o Direito Tributário” (AgRg no Ag 1185013/RS, Rel. Ministro HAMILTON CARVALHIDO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 18/03/2010, DJe 07/04/2010) (grifo nosso)
No mesmo sentido:
“TRIBUTÁRIO – CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR – LEI Nº 9.296/96 – REDUÇÃO – MULTA – INAPLICAÇÃO EM VIRTUDE DA NORMA SE ESTENDER APENAS ÀS RELAÇÕES DE NATUREZA CONTRATUAL. O preceito acrescentado ao artigo 52 do Código de Defesa do Consumidor, se estende, apenas, às relações de natureza contratual, vale dizer, às relações atinentes ao direito privado. Não alcança as multas tributárias. Recurso não conhecido”. (REsp 261.367/RS, 1ª Turma, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, DJ de 9.4.2001, p. 332)
“PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. TAXA SELIC. LEI 9.065/95. INCIDÊNCIA. MULTA FISCAL. REDUÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. INAPLICABILIDADE DO CDC. (…) 5. Não compete ao Poder Judiciário reduzir a multa fiscal moratória quando esta é imposta com base em graduação objetivamente estabelecida por lei, porquanto não pode o juiz atuar como legislador positivo. Ademais, o comando insculpido no artigo 52, § 1º, do Código de Defesa do Consumidor, é aplicável, apenas, às relações de consumo, de natureza contratual, não alcançando, portanto, as multas tributárias”. (Precedente: Resp 261.367, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, DJ de 09.04.2001). 6. Agravo Regimental desprovido." (AgRg no REsp 671.494/RS, 1ª Turma, Rel. Min. Luiz Fux, DJ de 28.3.2005, p. 221)
O Supremo Tribunal Federal também já analisou o assunto e comunga o mesmo entendimento do STJ:
“incabe a aplicação do código de defesa do consumidor nas relações jurídico-tributárias, visto que este alcança apenas as relações de consumo, o que não se cogita entre o contribuinte e a fazenda pública.” (RE 554899, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, julgado em 19/04/2010, publicado em DJe-072 DIVULG 23/04/2010 PUBLIC 26/04/2010.”
Dessa forma, entendemos que a aplicação do CDC nas relações tributárias não se sustenta, haja vista que não existe relação de consumo entre contribuinte e Estado, mas sim uma relação compulsória, diferente da relação de consumo, que nasce da vontade entre as partes.
O art. 3º do Código Tributário Nacional estipula o conceito de tributo, in verbis:
“Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada.”
Hugo de Brito Machado define que “a compulsoriedade da prestação tributária caracteriza-se pela ausência do elemento vontade no suporte fático da incidência da norma de tributação.”, e que “na prestação tributária a obrigatoriedade nasce diretamente da lei, sem que se interponha qualquer ato de vontade daquele que assume a obrigação.” (MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 19. ed. São Paulo: Malheiros).
Cumpre reforçar, ainda, que a relação de consumo surge de uma obrigação jurídicas contratual, enquanto as relações jurídico-tributárias nascem da própria lei, motivo pelo qual são consideradas obligatio ex lege e que decorrem do exercício de autonomia federativa por parte do Município (art. 18, “caput”, CF/88).
Assim, as execuções fiscais são regidas por normas de natureza tributária e não por normas de direito do consumidor. Ou seja, a finalidade do direito tributário é uma e a do direito do consumidor é outra, sendo certo que os dois ramos do direito regulam relações completamente distintas.
Por fim, destaca-se que a Lei n° 8078/90 não previu tal possibilidade, portanto, entendemos, s.m.j., que o Poder Judiciário não pode julgar em sentido contrário aos ditames legais e à sistemática jurídica.
- CONCLUSÃO
Diante do exposto, este Centro de Estudos conclui que a relação jurídico-tributária não se amolda aos termos do Código de Defesa do Consumidor (CDC), que foi promulgado para outra finalidade, sendo que a intenção do legislador não foi que as regras do CDC fossem aplicadas em outras relações jurídicas, apenas às consumeristas, salvo as exceções do consumidor por equiparação previstas nos artigos 17 e 29 da lei protetiva.
Assim, verifica-se que a aplicação da multa nos moldes do Código Tributário do Município mostra-se correta, haja vista sua previsão na legislação municipal, o que representa concretização da autonomia municipal consagrada no art. 18, “caput, CF/88.
É o Parecer.
A.P.S.
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