Especialistas defendem abordagem ampla na análise da compra de terras por estrangeiros
Esse foi o ponto em comum de todos os especialistas que participaram do painel “Recepção da Lei de Terras”, que encerrou a programação do Simpósio Internacional sobre Propriedade e Estrangeiros, ocorrido nos dias 29 e 30 de setembro, na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. O evento foi organizado pela Rede de Direito Civil Contemporâneo.
O procurador Junior Divino Fideles (adjunto do Advogado-Geral da União) afirmou que a necessidade de discutir a compra de terras por estrangeiros está diretamente ligada à ausência de reforma agrária, à indefinição sobre terras na faixa de fronteira, à demarcação de terras indígenas e quilombolas, à grilagem e à situação das terras devolutas.
Ele também destacou que a Lei 5.709/1971 surgiu no mesmo período de outras normas importantes para a questão agrária, como o Estatuto da Terra, a lei do cadastro de imóveis rurais (SNCR) e a lei do processo discriminatório, demonstrando que o tema não pode ser analisado de forma isolada.
Posição da AGU
Fideles ainda comentou as mudanças da Advocacia-Geral da União sobre a recepção da Lei 5.709/1971 pela Constituição de 1988, que mudou de acordo com o contexto econômico e político do país.
Ele explicou que inicialmente, a AGU entendeu que a lei não havia sido recepcionada pela Constituição de 1968, mas mudou de posição a partir de 2010, quando passou a defender que a recepção da lei e a equiparação das empresas de capital estrangeiro às pessoas estrangeiras. Segundo ele, essa mudança, ocorrida 22 anos após a Constituição, gerou um passivo de informações, pois por mais de duas décadas não houve controle sobre essas aquisições.
Após a mudança de entendimento da AGU em 2010, o tema foi levado ao STF por meio de ações como a Ação Cível Originária 2.463 e a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 342.
O posicionamento atual da AGU é a constitucionalidade das restrições com base no artigo 190 da Constituição, que prevê expressamente que a lei limitará a aquisição de propriedade rural por estrangeiros.
Crise de alimentos
A procuradora-geral federal Adriana Venturini também ressaltou a mudança de posição da AGU e explicou que, entre outros aspectos, os dois principais vetores para essa nova abordagem foram a crise mundial de alimentos e o potencial dos biocombustíveis como fonte de energia alternativa, o que tornava a questão da terra no Brasil altamente relevante.
Ela disse que, em 2007, o Parecer LA 1, de autoria do consultor-geral da União, já apontava que o Estado brasileiro havia perdido a capacidade de controlar efetivamente a aquisição de terras por empresas brasileiras controladas por estrangeiros.
A chefe da Divisão de Territórios Quilombolas do Incra, Maria Cristina Vidotte Blanco Tarrega, por sua vez, defendeu que o debate sobre aquisição de terras por estrangeiros no Brasil vai além da questão legal e analisou o modelo e a estrutura agrária e fundiária do país, que perpetuam o controle e a desigualdade.
Ela explicou que a Lei de Terras de 1850 estabeleceu um mercado de terras destinado à formação de grandes propriedades, dando base para a predominância do latifúndio que perdura até hoje. A especialista destacou o tratamento duplo dado aos estrangeiros pela norma, que influenciou a estrutura social e a demografia do país.
“A lei incentivou a vinda de estrangeiros com dinheiro para investir em terras, oferecendo benefícios como a isenção do serviço militar. Ao mesmo tempo, o dinheiro da venda de terras pelo Estado seria usado para financiar a vinda de trabalhadores estrangeiros, uma política que também tinha um viés de ‘branqueamento’ da população. Esses trabalhadores vinham para cultivar a terra sem a garantia de poder comprá-la no futuro”.
O procurador do município de Fortaleza Martônio Mont’Alverne afirmou que a discussão não é puramente dogmática, mas uma questão de “economia política” com impactos práticos.
“A terra no Brasil é mais que um bem econômico; é um recurso estratégico ligado à soberania, segurança alimentar e proteção do território. Limitar a aquisição de terras por capital externo não significa rejeitá-lo, mas sim garantir que ele se subordine ao interesse nacional e à função social da propriedade”.
Por: Consultor Jurídico
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