Juiz anula sistema de cotas para alunos trans em universidade pública no RS
Ela deve estar pautada em outros princípios constitucionais aplicáveis à administração pública, como os da isonomia e da impessoalidade, sendo ainda necessária a observância da capacidade de cada um para acesso aos bancos acadêmicos.

Juiz diz que cotas para trans violam impessoalidade e legalidade administrativa
Essa análise foi feita pelo juiz Gessiel Pinheiro de Paiva, da 2ª Vara Federal de Rio Grande (RS), ao julgar procedente uma ação popular contra a Fundação Universidade Federal do Rio Grande. Os autores da demanda pleitearam a anulação da resolução da instituição que criou cotas para o ingresso de estudantes transgêneros nos cursos de graduação e pós-graduação. Segundo eles, a iniciativa da entidade carece de fundamento jurídico e pode ser classificada como “fruto de política ideológica”.
A Furg defendeu a sua autonomia para elaborar as próprias normas. Ela disse que não inovou ao implantar cotas para transexuais em seus cursos de graduação e pós-graduação, porque ao menos 12 instituições no país já adotaram a mesma política. “A cota para pessoas trans instituída pela universidade representa uma ação afirmativa legítima e consonante com os princípios fundamentais do Estado brasileiro, que busca prestigiar o princípio da isonomia material”, sustentou a ré.
Sem correlação
Segundo o julgador, um dos requisitos da ação afirmativa é a ligação clara e direta entre a reserva de vagas criada e a situação específica enfrentada pelo público a ser contemplado pelas cotas. No entanto, no caso dos autos, “o que se percebe na motivação apresentada pelo proponente é um aglomerado de dados sem maior correspondência correlacional com a política afirmativa adotada pela Furg”. Paiva também anotou que a universidade distorceu dados e os usou sem uma necessária valoração lógica e sistêmica.
A identidade de gênero não pode ser fator para marginalizar, mas isso não justifica “toda e qualquer vantagem que lhe seja atribuída”, ressalvou o juiz. De acordo com ele, as pesquisas destinadas a justificar políticas públicas devem possuir metodologia baseada na busca da objetividade e imparcialidade. Caso contrário, dados recortados podem ser usados para validar o que se quiser. “Basta se trazer à tona os dados que respaldem o que se quer defender e se omitir aqueles que não respaldam.”
Paiva salientou que se deve observar a legalidade em sentido amplo e não apenas porque a reserva de cotas para transexuais não esteja prevista expressamente na Lei 12.711/2012. “Considero violada a legalidade pela violação do princípio da impessoalidade, inerente aos atos administrativos, pela adoção de seleção manifestamente subjetiva, com base em questões pessoais dos candidatos, não passíveis de submissão ao escrutínio público, pelos próprios candidatos, pela população e pelo Poder Judiciário.”
Avaliação questionada
De acordo com o julgador, nos editais de 2023, 2024 e 2025, quando foram disponibilizadas dez vagas por ano no sistema de cotas para trans, os critérios de seleção da Furg não atenderam aos requisitos da aferição da capacidade do candidato para ingresso na universidade. “Não há praticamente avaliação de mérito, aqui considerada a aptidão intelectual e acadêmica adquirida e desenvolvida através do processo educacional nos ensinos fundamental e médio.”
Das 30 vagas reservadas, somente 19 foram providas. Conforme o juiz, não se pode concluir que os estudantes que entraram na Furg não possuem capacidade. Porém, não foi demonstrada a capacidade no momento da seleção, exigência que se extrai do artigo 208, inciso V, da Constituição Federal. A regra diz que o dever do Estado com a educação se efetivará mediante a garantia de acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, “segundo a capacidade de cada um”.
Por essa razão, com a declaração da nulidade da política de cotas para transexuais e travestis criada pela fundação, o julgador definiu na sentença a situação dos candidatos já aprovados mediante tais seleções. Paiva descartou a hipótese de “fato consumado” porque os cursos ainda estão em andamento. No entanto, determinou que a instituição averbe as disciplinas concluídas, a fim de que possam ser aproveitadas por esses alunos em “eventual futuro ingresso regular na Furg ou em outra universidade”.
A Furg deverá se abster de promover novo processo seletivo com base na política afirmativa anulada. Contudo, a sentença reconhece a possibilidade de outra ser criada para os mesmos destinatários. Basta que haja comprovação da correlação entre a vantagem conferida e o problema enfrentado pela população alvo e sejam usados critérios objetivos de seleção que importem na aferição da capacidade de cada candidato, com base nos conhecimentos obtidos nos níveis fundamental e médio de ensino.
Processo 5000681-64.2023.4.04.7101
Por: Consultor Jurídico
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