Acordo entre União, indígenas e fazendeiros é via para pacificação de conflitos
Em março, o ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal, homologou o acordo entre a Advocacia-Geral da União e o Ministério dos Povos Indígenas para pacificar um conflito agrário envolvendo os povos Avá-Guarani (Nhandeva) e fazendeiros no Paraná.
O conflito remonta à década de 1970, com a construção da Usina Hidrelétrica de Itaipu Binacional. A etnia Avá-Guarani sofreu o impacto do alagamento de suas terras tradicionais com a criação do reservatório da usina, a partir do represamento do Rio Paraná, na fronteira com o Paraguai. O acordo estabelece medidas para assegurar a territorialização das comunidades locais e prevê a destinação aos indígenas de três mil hectares de terra que serão adquiridos pelo consórcio Itaipu Binacional, ao custo inicial de R$ 240 milhões.
Além disso, a empresa se comprometeu a implementar ações de restauração ambiental nas áreas adquiridas e a financiar serviços essenciais, como fornecimento de água, energia elétrica, saneamento, saúde e educação. Caberá à Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) o procedimento de destinação final da posse permanente e usufruto exclusivo dos indígenas.
De acordo com Toffoli, a homologação do termo decorre do compromisso constitucional do STF na defesa dos direitos dos povos indígenas. “É uma reparação histórica ao povo Avá-Guarani”, afirmou ele.
“A novidade do acordo é que, além da questão fundiária, ele prevê a atuação do poder público nas áreas indígenas, através de investimentos de caráter sociocultural e econômico, trazendo os elementos necessários para que possam ter condições de uma vida digna, como manda a Constituição”, disse o ministro na solenidade de assinatura do termo.
Na decisão que homologou o acordo, Toffoli ressaltou que a solução consensual de conflitos é um mecanismo fundamental para promover a pacificação social e assegurar a justiça.
Compra de terras
Em julho, a AGU efetivou a compra de duas áreas de terra no oeste do Paraná destinadas aos povos Avá-Guarani (Nhandeva), como reparação pelos danos causados pela construção da hidrelétrica de Itaipu. Os imóveis, adquiridos com recursos da Itaipu Binacional, integram parte da execução do acordo homologado por Toffoli.
As terras foram registradas em nome da União, com usufruto exclusivo dos indígenas, servindo de modelo para a resolução de conflitos fundiários semelhantes em outras regiões do país.
O termo de conciliação, assinado em audiência com a Comissão de Soluções Fundiárias da Justiça Federal da 4ª Região, é o primeiro resultado concreto decorrente do pacto homologado no STF. Além da aquisição dos dois lotes, o acordo estabeleceu o prazo de 90 dias para os indígenas desocuparem as demais três áreas da Fazenda Brilhante que não foram objeto da negociação.
Por problemas burocráticos com a ratificação das faixas de fronteira da área, a documentação demorou quatro meses para ficar pronta. Na última semana de novembro, os fazendeiros finalmente receberam o dinheiro.
Importância da decisão
Os advogados Jaqueline Mielke Silva, Leocir Roque Dacroce e Clarissa Santos Lucena, sócios da banca Mielke & Lucena Advogados, atuaram no caso com a AGU. Eles têm experiência em processos sobre povos originários, alguns conduzidos em parceria com o jurista Lenio Streck e o advogado André Karam Trindade, sócios da Streck e Trindade Advogados.
Jaqueline Silva afirma que o caso é inédito por pacificar um conflito histórico. E demonstra como a mediação pode ser um eficaz instrumento na resolução de conflitos fundiários.
“Esse acordo entre comunidades tradicionais, proprietários de terras e poderes públicos representa um verdadeiro marco nas demarcações de terras indígenas. Isso porque ele sinaliza que a solução de um conflito histórico pode, sim, ocorrer mediante um processo pacífico, em que se atendam os interesses de todas as partes. A indenização das áreas demarcadas consiste em uma resposta constitucional e proporcional, porque, ao mesmo tempo que preserva os territórios originários e os direitos das comunidades indígenas, também assegura a justa indenização aos proprietários de boa-fé, que possuíam títulos dessas terras emitidos pelo poder público”, avalia a advogada.
O advogado da União Roberto Picarelli, coordenador regional de Patrimônio da União e Meio Ambiente, explica que os imóveis foram comprados de forma emergencial e indicados pelos povos tradicionais. “Os indígenas têm autonomia para apontar os imóveis que devem ser adquiridos. No caso, eles indicaram dois lotes das cinco matrículas da Fazenda Brilhante.”
A procuradora federal Michelli Pfaffenseller, que representou nas negociações a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), resumiu o papel das autarquias.
“A Funai, cumprindo seu papel de proteção dos direitos territoriais indígenas, será provisoriamente imitida na posse para garantir sua destinação adequada às comunidades indígenas”, diz. “Já o Incra foi fundamental na avaliação dos valores das áreas negociadas e na verificação da cadeia dominial, assegurando a segurança jurídica da transação.”
Para Michelli, essa primeira aquisição representa um passo inicial que deve impulsionar as próximas negociações necessárias ao cumprimento do acordo. Picarelli lembra que o compromisso “atende aos legítimos anseios dos povos originários, iniciando um movimento de pacificação social no local dos fatos com a execução de uma política que é absolutamente prioritária para o Ministério dos Povos Indígenas”.
Resposta proporcional
Lenio Streck, professor de Direito Constitucional da Universidade do Vale do Rio dos Sinos e da Universidade Estácio de Sá, diz que o caso é inédito por ser uma conciliação bem-sucedida, envolver diversos atores e mostrar que existem formas de satisfazer os interesses dos povos originários e o direito à propriedade dos fazendeiros que adquiriram, de boa-fé, títulos reconhecidos pelo poder público. “Isso significa prestigiar a proporcionalidade que deve orientar toda resposta constitucionalmente adequada.”
“A principal dificuldade encontrada na composição dos conflitos de territórios indígenas — me refiro ao pagamento da justa indenização — foi superada mediante a reparação paga pela Usina de Itaipu. Por que considero isso proporcional? Simples, porque as partes, de certo modo, tiveram suas reivindicações atendidas, seus direitos satisfeitos. Sem arbitrariedades. Em uma palavra: fairness, ou equanimidade. Esse acordo materializa a igualdade em um jogo limpo. E isso é fundamental em toda democracia constitucional”, diz Lenio.
O acordo mostra que ainda há espaço para a construção de consensos em busca da pacificação em casos de demarcação de terras indígenas, analisa o jurista.
“Todos sabem que a complexidade caracteriza os conflitos fundiários. Isso para não falar da inegável violência praticada ao longo da história. Em 2024, após o julgamento do marco temporal, o STF criou uma comissão especial para tentar uma conciliação sobre o tema. Aliás, o ministro Gilmar Mendes foi muito criticado naquela ocasião. Pois é preciso dizer que o acordo envolvendo a Fazenda Brilhante ocorreu justamente no âmbito da abertura à conciliação promovida por Gilmar. Ora, essa experiência — repito, bem-sucedida — poderia ser aperfeiçoada e institucionalizada pelo governo, quem sabe por meio do Ministério dos Povos Indígenas, que, aliás, atuou fortemente na articulação do acordo junto com Itaipu e a AGU.”
Gilmar Mendes foi o responsável por pavimentar todo esse processo de conciliação, desde o julgamento do marco temporal, destaca Jaqueline Silva.
“O acordo relativo à Fazenda Brilhante, em Terra Roxa (PR), é o resultado de uma experiência bem-sucedida, construída sobre o diálogo em busca de uma solução consensual. A meu ver, precisamos de políticas públicas que possam, concretamente, atender aos interesses tanto das comunidades indígenas quanto dos proprietários de terras, em sua grande maioria adquirentes de boa-fé. Esse é o caminho para a pacificação dos conflitos agrários no âmbito da demarcação de terras.”
Marco temporal
Segundo a tese do marco temporal, os povos indígenas teriam direito às terras que ocupavam ou já disputavam na data de promulgação da Constituição de 1988. Em setembro de 2023, o STF decidiu que a data não pode ser utilizada para definir a ocupação tradicional da terra pelas comunidades indígenas (RE 1.017.365).
Em dezembro, antes de a decisão da corte ser publicada, o Congresso Nacional editou a Lei 14.701/2023 e restabeleceu o marco temporal. Desde então, foram apresentadas quatro ações questionando a validade da norma (ADI 7.582, ADI 7.583, ADI 7.586 e ADO 86) e uma pedindo que o STF declare sua constitucionalidade (ADC 87). Elas começarão a ser julgadas nesta quarta-feira (10/12). Nesta terça (9/12), o Senado aprovou uma proposta de emenda à Constituição que inclui a tese do marco temporal na Carta Magna.
Ao longo de 2025, o grupo de conciliação trabalhou no STF para encontrar soluções satisfatórias depois da promulgação da Lei 14.701/2023. Apesar dos embates, a comissão avançou e obteve alguns consensos.
Foi estabelecido, por exemplo, que os estados e municípios passarão a participar da demarcação, “franqueada a manifestação de interessados e de entidades da sociedade civil, desde o início da fase instrutória do processo administrativo demarcatório”.
Houve consenso também sobre a definição de terras indígenas, que são “as havidas pela comunidade indígena mediante qualquer forma de aquisição permitida pela legislação civil, tal como a compra e venda ou a doação à comunidade indígena”. Com informações da assessoria de imprensa do governo federal.
Clique aqui para ler o acordo homologado por Toffoli
ACO 3.555
Por: Consultor Jurídico
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