Ente é responsável por multa de trânsito, mas deve cobrar o condutor do veículo
Se o infrator não for identificado, o órgão deve informar a autoridade de trânsito sobre o condutor responsável, conforme dispõe o artigo 257, parágrafo 7º do CTB, para evitar a penalidade agravada disposta no parágrafo 8º: o pagamento em dobro para pessoas jurídicas.
Para tanto, é essencial que a administração pública crie norma interna para controlar os servidores autorizados a dirigir os veículos oficiais, para garantir registros que comprovem quem conduziu o veículo em cada ocasião.
A administração tem o dever de instaurar processo administrativo ou judicial contra o servidor infrator para cobrar, em regresso, os valores gastos no pagamento da multa, garantindo o direito ao contraditório e à ampla defesa.
Além disso, recomenda-se que o ato normativo local, que regula o controle dos servidores autorizados a dirigir veículos oficiais, estabeleça também os procedimentos para cobrança dos condutores inadimplentes.
Contudo, o Poder Legislativo Municipal não tem autoridade para registrar valores na dívida ativa, nem para promover ações judiciais de cobrança. Portanto, uma vez finalizado o procedimento administrativo, se permanecer a negativa do servidor em efetuar o ressarcimento, o caso deve ser encaminhado ao Poder Executivo Municipal, que é o órgão competente para proceder à inscrição na dívida ativa e à execução judicial, conforme estabelece o artigo 39 da Lei nº 4.320/64 (Lei da Contabilidade Pública) e as demais disposições legais aplicáveis.
Esta é a orientação do Tribunal de Contas do Estado do Paraná (TCE-PR), em resposta à Consulta formulada pela Câmara Municipal de Itapejara do Oeste, por meio da qual questionou qual deveria ser o procedimento realizado em caso de inadimplência e recusa de pagamento por parte de motorista servidor, que tenha praticado infração de trânsito na condução do veículo oficial da câmara.
Instrução do processo
Em seu parecer, o assessor jurídico da consulente esclareceu que o condutor é responsável pelas infrações cometidas com veículo oficial e deve ressarcir os cofres públicos. No entanto, defendeu que, para garantir a regular circulação do veículo, a administração pode quitar as multas e, depois, cobrar os valores do responsável por meio de processo administrativo, com garantia do contraditório e ampla defesa.
A Coordenadoria de Apoio e Instrução Suplementar (CAIS) do TCE-PR afirmou que a responsabilização do condutor depende de lei local que regulamente a cobrança, assegurando o contraditório e a ampla defesa. Além disso, ressaltou a necessidade de mecanismos administrativos eficazes para identificar quem conduzia o veículo em cada situação, além de normas claras sobre o direito de defesa do condutor.
A CAIS também entendeu que, caso não seja possível identificar o condutor, ou a infração não seja de sua responsabilidade direta, a multa poderá recair sobre a administração pública. A unidade técnica concluiu que o ente público deve arcar com o pagamento da multa para manter o veículo em situação regular, podendo, posteriormente, promover a cobrança do responsável por meio de processo administrativo.
O Ministério Público de Contas do Paraná (MPC-PR) concordou com o posicionamento da unidade técnica; e destacou que, em caso de infração cometida por condutor de veículo oficial, aplica-se o disposto no artigo 257, parágrafo 3º, do CTB, sendo obrigação do proprietário indicar o responsável, sob pena de arcar com a multa.
O MPC-PR salientou que, identificado o condutor infrator, a administração deve notificá-lo para pagar ou contestar a multa; e que, se ele não o fizer no prazo legal, o órgão público pode quitar a infração para evitar restrições ao veículo, mas deve cobrar o valor do servidor por meio de processo administrativo ou judicial, garantindo contraditório e ampla defesa. Também frisou que é recomendável que norma local regulamente também essa forma de cobrança.
Finalmente, o órgão ministerial alertou, quanto aos veículos do Poder Legislativo Municipal, que, já que esse ente não possui legitimidade para inscrever valores em dívida ativa ou executar judicialmente, após encerrado o processo administrativo e persistindo a recusa de ressarcimento pelo servidor, o caso deve ser encaminhado ao Poder Executivo Municipal, responsável pela inscrição em dívida ativa e execução, conforme dispõe o artigo 39 da Lei nº 4.320/64 e demais normas aplicáveis.
Legislação e jurisprudência
O inciso LV do artigo 5º da Constituição Federal (CF/88) dispõe que aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.
O artigo 37 da CF/88 estabelece que a administração pública direta e indireta de qualquer dos poderes da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.
O artigo 257 do Código de Trânsito Brasileiro fixa que as penalidades serão impostas ao condutor, ao proprietário do veículo, ao embarcador e ao transportador, salvo os casos de descumprimento de obrigações e deveres impostos a pessoas físicas ou jurídicas expressamente mencionados nesse código.
O parágrafo 3º do artigo 257 do CTB expressa que ao condutor caberá a responsabilidade pelas infrações decorrentes de atos praticados na direção do veículo.
O parágrafo 7º desse mesmo artigo dispõe que, quando não for imediata a identificação do infrator, o principal condutor ou o proprietário do veículo terá o prazo de 30 dias, contados da notificação da autuação, para apresentá-lo, na forma em que dispuser o Conselho Nacional de Trânsito (Contran); e, transcorrido o prazo, se não o fizer, será considerado responsável pela infração o principal condutor ou, em sua ausência, o proprietário do veículo.
O parágrafo seguinte (8º) estabelece que, após o prazo previsto no parágrafo 7º, se o infrator não tiver sido identificado, e o veículo for de propriedade de pessoa jurídica, será lavrada nova multa ao proprietário do veículo, mantida a originada pela infração, cujo valor será igual a duas vezes o da multa originária, garantidos o direito de defesa prévia e de interposição de recursos previstos nesse código, na forma estabelecida pelo Contran.
O parágrafo 10 do artigo 257 do CTB fixa que o proprietário poderá indicar ao órgão executivo de trânsito o principal condutor do veículo, o qual, após aceitar a indicação, terá seu nome inscrito em campo próprio do cadastro do veículo no Registro Nacional de Veículos Automotores (Renavam).
O artigo 39 da Lei nº 4.320/64 expressa que os créditos da Fazenda Pública, de natureza tributária ou não tributária, serão escriturados como receita do exercício em que forem arrecadados, nas respectivas rubricas orçamentárias.
O parágrafo 1º desse artigo dispõe que os créditos exigíveis pelo transcurso do prazo para pagamento serão inscritos, na forma da legislação própria, como dívida ativa, em registro próprio, após apurada a sua liquidez e certeza, e a respectiva receita será escriturada a esse título.
Decisão
Em seu voto, o relator do processo, conselheiro Maurício Requião, explicou que o proprietário do veículo é responsável direto pelo pagamento da multa de trânsito, mesmo que a infração tenha sido cometida por outro condutor, conforme dispõe o artigo 257 do CTB.
Requião afirmou que, no caso de veículos oficiais, o poder público, como proprietário, deve pagar a multa para manter o veículo regular; mas possui o direito de regresso contra o servidor condutor para ressarcimento. Assim, o servidor que cometeu a infração deve arcar com o custo, sem eximir a administração da obrigação de pagamento imediato, em razão da responsabilidade objetiva atribuída pela lei.
O conselheiro lembrou que, para responsabilizar o condutor de veículo oficial pelo pagamento de multas de trânsito por ele cometidas, é imprescindível a existência de lei local que discipline expressamente a cobrança dos valores decorrentes dessas infrações, conforme o princípio da legalidade previsto no artigo 37 da Constituição Federal. Ele frisou que essa norma deve estabelecer claramente os procedimentos para a cobrança, incluindo a possibilidade de desconto em folha de pagamento, desde que haja autorização prévia e expressa do servidor, respeitando-se o direito constitucional ao contraditório e à ampla defesa antes da imposição da penalidade.
O relator ressaltou que a imputação da responsabilidade pelo pagamento das multas não depende apenas da existência de legislação local específica, mas também da implementação de procedimentos administrativos rigorosos que possibilitem a identificação inequívoca do condutor no momento da infração ou posteriormente.
Portanto, Requião entendeu que o poder público deve dispor de regulamentação clara e controles efetivos que assegurem a responsabilização adequada, prevenindo danos financeiros à administração pública decorrentes de infrações de trânsito cometidas por servidores.
O conselheiro alertou, ainda, que a instauração de procedimento administrativo para o pagamento ou regresso da multa deve sempre oportunizar o contraditório e a ampla defesa – artigo 5º, LV, da CF/88.
O relator explicou, ainda, que, além da possibilidade da exigência de pagamento da multa pelo agente público, deve haver, sempre que necessário, apuração de falta funcional por desídia ou negligência do agente público na condução do veículo.
Finalmente, Requião concordou com o MPC-PR quanto ao Poder Legislativo Municipal não deter autoridade para registrar valores na dívida ativa, nem para promover ações judiciais de cobrança. Portanto, ele orientou que, uma vez finalizado o procedimento administrativo, se permanecer a negativa do servidor em efetuar o ressarcimento, o caso deve ser encaminhado ao Poder Executivo Municipal, que é o órgão competente para proceder à inscrição na dívida ativa e à execução judicial, conforme estabelece o artigo 39 da Lei nº 4.320/64 e as demais disposições legais aplicáveis.
Os conselheiros aprovaram o voto do relator por maioria absoluta, após o conselheiro-substituo Cláudio Kania ter apresentado voto divergente no julgamento do processo. A decisão, tomada na Sessão de Plenário Virtual nº 20/25 do Tribunal Pleno do TCE-PR, concluída em 23 de outubro, está expressa no Acórdão nº 3003/25 - Tribunal Pleno, a ser disponibilizado no Diário Eletrônico do TCE-PR. O trânsito em julgado da decisão ocorreu em 19 de novembro.
Serviço
|
Processo nº: |
130773/25 |
|
Acórdão nº |
3003/25 - Tribunal Pleno |
|
Assunto: |
Consulta |
|
Entidade: |
Câmara Municipal de Itapejara do Oeste |
|
Relator: |
Conselheiro Maurício Requião de Mello e Silva |
Por: Tribunal de Contas do Estado do Paraná
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