o que mudou na rotina das servidoras com a pandemia
Uma mão no mouse, outra no aspirador de pó. O comentário em tom de brincadeira, feito pela servidora Adriana Lima Domingos, técnica da 3ª Inspetoria de Controle Externo do Tribunal de Contas do Estado do Paraná (TCE-PR), durante uma reunião de equipe online, é o recorte fiel da mulher no trabalho remoto durante esta pandemia.
As mudanças de rotina, o distanciamento social, o isolamento dentro de casa, foram medidas necessárias para combater o avanço da pandemia de Covid-19, que obrigou 8,3 milhões de pessoas a trabalharem remotamente nesse período, segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD Covid19 IBGE).
O levantamento foi citado em outra pesquisa realizada pelo Grupo de Estudos Trabalho e Sociedade (GETS) da Universidade Federal do Paraná (UFPR) em parceria com a Rede de Monitoramento Interdisciplinar da Reforma Trabalhista (Remir), no final de 2020.
O relatório técnico aponta que, em uma comparação entre os setores público e privado, o número de servidores públicos que precisa cumprir metas de produtividade é maior que o de trabalhadores da iniciativa privada. O relatório também destaca que a maior parte dos profissionais que declara estar trabalhando em um ritmo mais acelerado na pandemia é composta por mulheres.
Os resultados apresentados na pesquisa estão refletidos no dia a dia de milhares de servidoras públicas. "O contexto histórico do trabalho da mulher se vincula à sobrecarga de tarefas domésticas e familiares com o acréscimo das atividades profissionais. Com certeza a pandemia conferiu à mulher um aumento de demandas em seus inúmeros afazeres", afirma a psicóloga e analista de controle da Diretoria de Gestão de Pessoas do TCE-PR, Célia de Souza.
Para ela, a pandemia reforçou o papel da mulher no âmbito familiar e social, sendo ela provedora da casa ou não. Seja trabalhando fora ou exercendo suas atividades não remuneradas na estrutura familiar.
"No seu papel continua, com pandemia ou sem pandemia, a grande parte do trabalho doméstico, o cuidado com os filhos e com a casa, acrescidos da dificuldade de delimitar os horários de trabalho remoto com as tarefas domésticas, de conciliar um horário para cuidar si, de dividir com o(a) companheiro(a) as rotinas domésticas. Tudo isso agravado pela falta de interação social, irritabilidade, dificuldades em se concentrar, alteração do sono e, o mais grave, o aumento da violência contra a mulher", analisa Célia de Souza.
Desigualdade
"As mulheres são grandes heroínas e a pandemia evidenciou isso. É um grande desafio dar conta de tantas tarefas sem enlouquecer e sem enlouquecer quem está em volta. Sem dúvida há uma sobrecarga de afazeres, principalmente em relação àquelas que normalmente são atribuídas a nós, como a organização da casa e o cuidado com os filhos. Acredito que a divisão de tarefas seja o melhor caminho para dar conta do recado. Minha rede de apoio, sem dúvida, são meus pais, pois me dão suporte diariamente com o filho pequeno e isso tem um valor inestimável".
O depoimento da assessora jurídica Cecília Passos Brandão, servidora pública do TCE-PR, reforça o resultado da pesquisa da UFPR. Segundo o estudo, homens e mulheres vivenciam o trabalho remoto de formas diferentes, mas a desigualdade entre os gêneros persiste também nessa modalidade. As mulheres são incumbidas, historicamente, do trabalho doméstico e cuidados com a família e, em um momento como esse, em que essas atividades estão concentradas dentro de casa, elas estão ainda mais sobrecarregadas, concluem os pesquisadores.
"Sempre esperam que sejamos mais do que excelentes em nossos papéis. É comum que tenhamos uma quantidade de tarefas maior, pois, quase sempre, cai sobre nós não apenas a responsabilidade de um cargo profissional, mas também de incorporarmos o papel de filha, irmã, esposa, mãe e gestora de uma casa", reitera a servidora e responsável pela área de Design do Núcleo de Imagem do TCE-PR, Mônica Karam.
Num tom otimista, ela encara os desafios da pandemia como uma oportunidade de ressaltar a qualidade multifuncional das mulheres. Mas Mônica, que cuida dos pais de 79 anos, assim como Cecília, mãe de um menino de três anos, e Adriana, mãe de duas adolescentes (14 e 16), acreditam que a divisão de tarefas em casa e uma rede de apoio sejam boas soluções para o sucesso do trabalho remoto.
"Acho que nós, servidoras públicas, fazemos parte de um grupo muito privilegiado quando se pensa nas condições de trabalho durante a pandemia, não tem comparação com a massa trabalhadora feminina brasileira. Nosso país tem um número enorme de mulheres chefes de família, com relações de trabalho precárias e dependentes de uma série de serviços públicos que, infelizmente, vêm se desorganizando ainda mais nesse período", analisa Adriana.
Rotina dobrada
Para os pesquisadores da UFPR, os papéis sociais distinguem claramente a percepção do trabalho remoto entre homens e mulheres. Na pesquisa, quando tratam livremente sobre suas experiências em home office, as mulheres colocam centralidade nos termos "casa", "filho, "cuidado" e "criança", enquanto os homens utilizaram mais as palavras "tempo", "contrato", "pandemia" e "casa", sendo que esse último termo, para eles, está relacionado com a gestão do tempo e não com cuidado dos filhos e trabalho doméstico.
A psicóloga do TCE-PR Célia de Souza comenta que as maiores demandas de adaptação vieram dos homens, que "sofreram o impacto maior, pois passavam a maior parte do dia fora de casa e muitas vezes não se viam na responsabilidade de realizar as atividades domésticas e familiares".
Adriana Domingos também lembra que "quem, como eu, não ensinou os filhos a cuidarem da casa antes da pandemia, está pagando um preço agora". Para ela, o trabalho doméstico não precisa ser um problema e estar em casa e conseguir cuidar assim de perto da casa e das filhas "me é muito caro, tem sido muito importante pra manter a sanidade emocional".
A designer Mônica Karam, servidora do TCE-PR há 20 anos, comenta que "embora se tenha um benefício em trabalhar em casa, por poder realizar mais facilmente as tarefas do dia a dia, principalmente no que diz respeito ao cuidado com meus pais, sinto que a jornada de trabalho se estendeu muitas horas além do que costumava ser quando estávamos trabalhando presencialmente, isso não apenas para mim, mas para toda a minha equipe".
A assessora jurídica Cecília Passos acredita que tenha chegado à fórmula ideal na condução da rotina diária. "Isso não quer dizer que seja fácil ou leve, bem pelo contrário, mas na medida do possível, com a situação em que nos encontramos atualmente, é o que consigo fazer dentro da minha realidade."
Todas as servidoras acreditam que a vacinação é a única saída para a situação atual; dos pais, inicialmente. "Num espectro mais amplo, acho que a vacinação em massa, se e quando ocorrer, vai nos dar uma nova perspectiva sobre como lidar com essa "nova vida", vai trazer mais equilíbrio em todos os sentidos", comenta Adriana.
E consideram que o medo constante que estamos vivendo é extremamente desgastante. "Acho que estamos vivendo um trauma coletivo do qual ninguém escapa, em algum momento, de ficar vulnerável emocionalmente: tem luto, distância, medo, ansiedade, sofrimento, senão nossos próprios, de amigos ou compatriotas; muita incerteza sobre o futuro (o que certamente é mais complicado pra quem tem filhos) ... enfim, não estou imune, mas procuro me manter calma: viver um dia de cada vez, valorizar o fato de estar perto das minhas filhas e cuidar para que o impacto deste momento nas suas vidas não seja tão negativo. Procuro também não perder contato com aqueles que amo, no mínimo para ouvi-los", afirma Adriana Domingos.
Mudanças
Na opinião comum às servidoras do Tribunal de Contas do Paraná, "no início houve um estranhamento de condições objetivas e de fronteiras entre as atividades profissionais e domésticas, um excesso de disponibilidade e uma profusão de canais de comunicação não corporativos sendo usados para o trabalho. Mas as coisas se ajeitaram bem e me adaptei rápido: não deixei de interagir com os grupos de trabalho e, no geral, acho que a produtividade aumentou. Também acho que consigo organizar melhor as tarefas e me concentrar mais", conclui a servidora do TCE-PR e cientista política Adriana Domingos.
Segundo a coordenadora da pesquisa da UFPR e professora de Sociologia Maria Aparecida da Cruz Bridi, o estudo sinaliza alterações no mundo do trabalho após a pandemia e uma possível ampliação da modalidade remota em distintos setores.
Para a pesquisadora, é importante garantir que as pessoas tenham vida para além do trabalho. "É fundamental salvaguardar que a empresa não se estenda para todos os domínios da vida do trabalhador, agora também em seu espaço privado. Há a necessidade de uma regulamentação que assegure direitos e saúde. Os sindicatos estão desafiados também a enfrentar esse tema e atuar, sobretudo, na questão das jornadas de trabalho. Poder trabalhar a partir de casa é uma boa saída para os trabalhadores, mas os ganhos obtidos com a redução de custos pelas empresas, por exemplo, devem ser repartidos com os profissionais", avalia.
O trabalho de pesquisadores da UFPR procurou compreender as condições gerais dos trabalhadores na adaptação do trabalho presencial para o trabalho remoto, em razão da crise provocada pelo Coronavírus Covid-19, ouvindo cerca de mil trabalhadores, organizando as informações dos participantes sistematizados em docentes, setor público e privado, e gênero.
ONU e Olacefs
Em 8 de março, Dia Internacional da Mulher, o Grupo de Trabalho sobre Igualdade de Gênero e Não Discriminação (GTG) 2 da Organização Latino-Americana e Caribenha de Instituições Superiores de Auditoria (OlacefS), apresenta as primeiras conclusões de nova pesquisa realiza para descobrir o impacto da pandemia no trabalho.
Um ano após o início do diagnóstico dos primeiros casos de Covid-19 no continente, sabemos que a dinâmica do trabalho se adaptou aos desafios inesperados e está afetando negativamente as mulheres, não só no aspecto formal do trabalho, mas também no local de trabalho.
A pesquisa foi realizada a partir do lema da Organização das Nações Unidas (ONU) para o Dia da Internacional da Mulher em 2021, que é Mulheres líderes: Por um futuro igual no mundo da COVID-19, como forma de reconhecer os esforços de mulheres e meninas para construir um futuro mais igualitário e se recuperar da pandemia Covid-19.
A pesquisa será apresentada nesta segunda-feira, 8 de março, às 12h, por meio da plataforma Microsoft Teams, no webinar How are we on home? O teletrabalho e seu impacto diferenciado nas mulheres. Para assistir à apresentação da pesquisa, acesse o link https://bit.ly/3dYUyv4.
Autor: Diretoria de Comunicação SocialFonte: TCE/PR
Por: Tribunal de Contas do Estado do Paraná
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