TJ-SC flexibiliza regra do 'juiz sem rosto', mas não afasta críticas
A vara foi instituída no último mês de maio e apresentou ao sistema penal brasileiro a figura do “juiz sem rosto” — um nível de anonimato inédito no país. Na última semana, depois de negociar com a OAB-SC, o TJ-SC alterou as regras e passou a permitir que as partes, os advogados e órgãos institucionais peçam acesso às informações dos juízes.
Mas, na visão do criminalista Aury Lopes Jr., professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS), a mudança é “cosmética”, não resolve o problema da anonimização e ainda cria um novo obstáculo “absolutamente ilegal” para que as partes e os advogados saibam quem é o juiz do processo.
Ele classifica como absurda a necessidade de se fazer um requerimento fundamentado. “O ‘fundamento’ é dado a priori pelo próprio sistema legal”, diz. “É um direito, e não uma faculdade que demande pedido, fundamentação e análise.” Com essa regra, o TJ-SC também abriu espaço para que pedidos do tipo sejam negados.
O advogado ainda diz que a nova resolução “segue desconsiderando a necessidade legal de ter um juiz das garantias que seja diverso do juiz da instrução e julgamento”. Em artigo publicado na revista eletrônica Consultor Jurídico em julho, ele, Sheyner Yàsbeck Asfóra, Adriana Maria Gomes de Souza Spengler e Fernanda Osorio já haviam apontado esse problema.
Pela norma, os juízes da Veoc poderão decidir sobre prisão em flagrante, preventiva ou temporária, medidas cautelares, quebra de sigilo e outros atos típicos de investigação. Depois, os mesmos magistrados serão responsáveis por julgar esses casos, e não será possível saber se quem atuou na investigação também sentenciou ou não.
Da mesma forma, segundo Lopes Jr., outros problemas foram mantidos, “como as audiências exclusivamente por videoconferência, com imagem e voz do juiz distorcidas, não permitindo que se saiba sequer se a audiência está sendo conduzida por um juiz”.
Luís Henrique Machado, professor de Processo Penal do Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP), diz que o formato atual da Veoc é “um esforço um pouco mais equilibrado” do que a prática dos “juízes sem rosto” adotada na Colômbia nos anos 1990: “A norma protege os juízes sem recorrer ao anonimato absoluto”.
Por outro lado, ele entende que a falta de transparência desse modelo “prejudica a confiança pública no sistema judicial, o que retira a legitimidade do julgamento”. Para o advogado, o Estado deve fornecer e garantir segurança aos magistrados “sem se socorrer ao expediente da ‘invisibilidade’ judicial”.
Já o criminalista Alberto Zacharias Toron considera que a nova resolução do TJ-SC “sana o problema da identificação do juiz para eventual arguição de impedimento ou parcialidade”. Antes da alteração, ele havia ressaltado que, pela regra anterior, os acusados ficariam privados de alegar suspeição dos julgadores.
Outro lado
Questionada pela revista eletrônica Consultor Jurídico, a Corregedoria do Tribunal de Justiça de Santa Catarina afirmou que os processos em regra são públicos e nada impede que qualquer cidadão consulte no site do TJ-SC quem é o juiz ocupante de cada uma das vagas da Veoc para identificá-los. Leia na íntegra a manifestação da corte catarinense:
Em resposta aos questionamentos formulados pela ConJur, convém destacar que o art. 9º, § 3º, da Resolução n. 7/2025, com redação dada pela Resolução n. 23/2025, prevê especificamente que ‘Nos procedimentos e processos em tramitação na Vara Estadual de Organizações Criminosas, será observado o princípio da impessoalidade, podendo os atos praticados por magistrados e servidores, nos documentos e registros disponíveis para consulta no sistema informatizado, ser identificados apenas pela denominação institucional e pelo cargo ou função exercida, consoante autoriza o § 4º do art. 1º da Lei nacional n. 12.694, de 24 de julho de 2012, ressalvado o disposto no inciso V do § 1º do art. 8º desta resolução’.
Quanto aos dados dos magistrados responsáveis pelo julgamento dos processos, vale lembrar que, como regra, os processos são públicos, de modo que nada impede que qualquer pessoa consulte as informações, desde que não haja determinação de sigilo, seja por expressa previsão legal ou por decisão fundamentada, regra essa que se aplica não só em Santa Catarina, mas em todo país.
Nesse contexto, tratando-se de processo público, qualquer cidadão poderá, de acordo com as informações lançadas no processo, consultar no site do TJ-SC quem é o juiz ocupante de cada uma das vagas da Vara e, assim, identificar os julgadores. Essa informação, contudo, poderá ficar restrita nos casos de sigilo, conforme já destacado, onde aí apenas os habilitados no processo terão acesso.
No tocante à alegação de ofensa ao juízo natural, vale lembrar que nos termos do art. 96, I, ‘a’ e ‘b’ e do art. 99, todos da Constituição Federal, é assegurada ao Tribunais a competência para reorganizar os seus juízos e para criar, transformar e transferir suas unidades jurisdicionais, atendidas as disposições constitucionais e normativas.
Nesse contexto, trata-se, portanto, de unidade criada em respeito aos preceitos legais, composta por juízes de carreira, escolhidos de acordo com os critérios de promoção e remoção previstos na Constituição Federal, na Loman e nas normas deste Tribunal de Justiça, não havendo que se cogitar em ofensa ao juízo natural.
Por fim, quanto ao juiz das garantias, a própria Lei disciplina que o colegiado teria competência para todos os atos jurisdicionais, desde a investigação até a execução da pena, ou seja, dispensou a atuação do juiz de garantias (art. 1º-A, § 1º, da Lei 12.694/2012).
É importante mencionar que o artigo 1.º-A e seus parágrafos foram incluídos pela Lei do Pacote Anticrime (Lei n. 13.964/2019), mesma lei que instituiu o juiz de garantias.
Portanto, não há dúvidas de que a atuação do juiz de garantias é dispensada no caso das varas colegiadas, tendo em vista que a própria Lei do Pacote Anticrime dispensou a aplicação do juiz de garantias às unidades com essa característica.
Ademais, destaca-se o disposto na Resolução CNJ n. 562/2024, a qual, dentre outras determinações, instituiu diretrizes de política judiciária para a estruturação, implantação e funcionamento do juiz das garantias no âmbito da Justiça Federal, Eleitoral, Militar, e dos Estados, Distrito Federal e Territórios. Extrai-se da Resolução:
Art. 3º Sem prejuízo da realização das audiências de custódia, as normas relativas ao juiz das garantias não se aplicam aos:
[…]
V – processos das varas criminais colegiadas, regidos pelo art. 1º-A da Lei nº 12.694/2012
Verifica-se, portanto, que a própria Resolução do Conselho Nacional de Justiça dispensa a aplicação das normas do juiz das garantias nos casos envolvendo processos de varas criminais colegiadas, motivo pelo qual não há qualquer irregularidade.
No tocante aos processos em que não houver formação do colegiado, convém destaque que o § 5º do art. 9º da Resolução n. 07/2025 prevê que “Nos processos ou procedimentos que têm por objeto crimes praticados por organizações criminosas que não se enquadrem casos especificados no art. 1º-A da Lei nacional n. 12.694, de 24 de julho de 2012 (organizações criminosas armadas), em que o magistrado não optar pela formação do colegiado, este funcionará como juiz das garantias até o oferecimento da denúncia, oportunidade na qual estará impedido de atuar no feito, que será redistribuído ao juízo subsequente da mesma unidade, observadas as disposição do art. 10 desta resolução”.
Nesse contexto, vislumbram-se duas situações:
a) nos processos em que houver atuação do colegiado, será dispensada a atuação do juiz de garantias;
b) nos processos relativos às organizações criminosas não armadas em que o magistrado não optar pela formação do colegiado, ele atuará como juiz de garantias até o oferecimento da denúncia.
Por: Consultor Jurídico
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